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Em 'Cirandaia', Daniela Mercury celebra 40 anos de carreira com disco afetivo e politizado

Cirandaia, 14º álbum de estúdio de Daniela Mercury, reúne nomes como Geraldo Azevedo, Alcione, Chico César e Zélia Duncan em projeto sobre afetos e lutas sociais

Por Allan Lopes

Daniela Mercury abraça velhos e novos amigos em 'Cirandaia'

Daniela Mercury chega aos 60 anos de vida e 40 de carreira aclamada como a Rainha do Axé. Mas em Cirandaia, seu 14º álbum de estúdio, fica claro que o reinado dela é muito mais vasto. Nele, a artista baiana navega por uma sonoridade diversa, misturando rock, samba-afro, samba-reggae, forró, galope, kuduro, canções de amor e ritmos populares de várias regiões do país, mas que desemboca inevitavelmente no Nordeste, fonte inesgotável de sua arte.


Cirandaia, nome que já entrega seu espírito comunitário, realiza na prática sua metáfora. Como em uma ciranda que vai agregando participantes, reúne 19 amizades especiais e marcantes na trajetória de Daniela. “É um abraço em todos que ajudam a me fazer quem eu sou”, diz a cantora, em conversa exclusiva com o Viver. Entre os nomes que compõem essa grande roda musical, estão ícones nacionais como Alcione, Chico César, Zélia Duncan, entre outros.


Mas há um reencontro que ressoa particularmente especial. É com ninguém menos que Geraldo Azevedo, cuja canção Lucas foi a primeira que ela interpretou em público nos bares de Salvador, aos 15 anos, ainda nos primeiros passos na música. Desde então, alimentava o sonho de um dia trabalhar com Geraldo, que agora se concretiza nas duas joias presenteadas pelo ídolo e amigo: Amar é Perigoso, com Abel Silva, e seu xodó, Bicho Amor, em parceria com Capinan, o gênio tropicalista de Sou Louco por Ti, América.”É uma das músicas que eu mais amo do álbum”, revela.


Se por um lado o trabalho é profundamente afetivo, por outro também é intencionalmente politizado, com letras que abordam a crise climática e outras urgências contemporâneas. “Não dá para pensar em coletividade sem que a arte e a postura cidadã estejam conectadas”, afirma. Esse compromisso se materializa na inclusão da cultura Yanomami, com o canto e composição de Ehuana Yanomami e as palavras do xamã e líder Davi Kopenawa Yanomami, trazendo para o centro do debate a defesa da floresta e a luta pelos direitos dos povos originários.


Rainha do Axé não à toa – e uma das precursoras do ritmo –, Daniela nunca se acomodou ao título. Pelo contrário. Segue inovando e provando que, para ela, a música é território de inquietação, não de conforto. “Eu estou um pouco cansada da sonoridade muito mecânica e com as novas tecnologias”, lamenta. “Fiz eletrônica quando estava todo mundo no auge do axé, usando todos os mesmos instrumentos”, lembra ela.


A coragem de nadar contra a corrente lhe rendeu respeito no eixo Rio-São Paulo sem precisar negociar sua identidade. “Eu tenho muito orgulho de ter feito isso até hoje”, celebra a artista, que encontra no Nordeste o espelho de sua própria essência criativa: "O Nordeste é o umbigo do Brasil, que mantém as tradições, mas que consegue também ser sempre revolução, e tem os movimentos mais importantes dos anos 90 para cá”, afirma Daniela, fazendo alusão ao manguebeat, Olodum, e, sem perceber, também descrevendo a si mesma.