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Pernambucana Hermila Guedes revive início da Aids no Brasil em série da HBO Max

Em Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente, Hermila Guedes dá vida a Joana, médica inspirada em Márcia Rachid, e revive o início da epidemia da Aids como metáfora de um país que ainda falta

Por Pedro Cunha - Especial para o Diario

Personagem de Hermila revive história de Márcia Rashid

Há atrizes que não apenas interpretam, mas denunciam. Hermila Guedes é uma delas. Em Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente, série da HBO Max que revisita o início da epidemia da Aids no Brasil, sua atuação é menos um exercício de ficção e mais um espelho de um país que aprendeu tarde a lidar com o próprio preconceito. Na pele de Joana, médica inspirada na infectologista Márcia Rachid, a pernambucana encarna o gosto de humanidade que faz das políticas públicas, a imprensa e a ciência aliadas nos anos 1980, e que, em muitos aspectos, ainda satisfaz pouco.

Criada por Patricia Corso e Leonardo Moreira, a série retorna ao tempo em que rumores eram confundidos com a verdade e a negligência oficial custou vidas. Hermila se aproxima do olhar da médica Márcia Rachid, combatente das duras ausências do Estado e pioneira na defesa universal dos medicamentos disponíveis na época, e nas contratações de laboratórios ligados ao AZT, único remédio disponível a enfermos do vírus HIV.

“Entram no hospital e dizem: com o vírus, o diagnóstico de morte, e as pessoas morriam desesperadas. A Márcia foi uma das raras que não transferiu o preconceito. Hermila carrega isso em sua personagem ao conectar a ciência aos afetos e às dúvidas de quem teve que provar que pessoas valiam iguais diante da doença”, pontua a diretora Germana Freire.

Márcia viveu muito mais do que o rótulo de médica na ponta da crise sanitária. Em 1996, quando o coquetel foi liberado ao Sistema Único de Saúde, ela já tinha visto guerras por aprovação de medicamentos, embates com políticos e ignorância travestida de “prudência”. Hermila se vê nesse eco histórico.

Infectologista, que atuou como consultora, percebeu em Hermila a sensibilidade de quem compreende a importância de transformar o trauma em arte. “A personagem é ficcional, mas tem muito da força da minha trajetória. Ela ouviu, observou e traduziu a humanidade que há ali”, diz Márcia.

Hermila transita com humor e com gosto similar de quem lida com o medo ou insegurança. “Ela está maravilhosa”, elogia a médica, ao destacar a entrega da atriz à delicada passada da personagem.

Sobre o desafio, na opinião de Márcia, vale além do brilho de quem entendeu que o gesto ainda é audace. “No início da epidemia, a desinformação e o preconceito geraram feridas. As notícias reforçavam o estigma, como se o HIV atingisse apenas determinados grupos. Ainda hoje, perdemos pessoas e o mal pesa na pele do outro. A arte também ajuda a conter nossa história e a lembrar, a desmistificar”, frisa.

Hermila também enxerga a obra como um ato político. “É um trabalho especial porque, além de registrar um período crítico da nossa história, revela uma sociedade moralmente contaminada pelo preconceito e pela desinformação. Ela destaca a doença do lugar do sigilo e a trata como um respiro constante. Isso é viver em compromisso”, completa a atriz.

“As gargalhadas, a revolta, o medo transformam por uma intensidade emocional que atravessa o que conheço. Tivemos notas na imprensa e campanhas. Foi desafiador representar uma médica tão aguerrida que lutou pela saúde pública, igual a muita gente. Joana, na trama, mas também profissional dessa frente alimentar. Essa dose apenas nos força lembrar do privilégio batalha em frentes que ainda duram”, detalha Hermila, referindo-se aos colegas de jornada: João Markun, Bruno Luperi, Icaro Silva e Kika Sena