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Morre Carlos Sandroni, professor da UFPE e um dos maiores pesquisadores da música brasileira, aos 66

Sandroni estava em tratamento de saúde desde o início do ano

Por Felipe Resk

Carlos Sandroni

O professor, compositor e etnomusicólogo Carlos Sandroni, considerado um dos maiores estudiosos da música brasileira, morreu nesta terça-feira (28), aos 66 anos, no Rio de Janeiro. Ele estava em tratamento de saúde desde o início do ano. O diagnóstico não foi informado.

Com pesquisas dedicadas ao samba de roda e à cultura popular nordestina, Sandroni conquistou prestígio internacional. Natural do Rio de Janeiro, era professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde atuava desde o fim da década de 1990.

No Rio, Sandroni se formou em Sociologia e fez mestrado em Ciência Política. Antes de desembarcar no Recife, cursou doutorado em Musicologia pela Universidade de Tours, na França, e atuou como professor-visitante nas Universidades do Texas em Austin e de Indiana em Bloomington, ambas nos Estados Unidos.

Violonista, também colaborou com o Conservatório Pernambucano de Música e se consagrou como autor de versões e composições próprias. Parte da sua obra está imortalizada nas vozes de outros grandes artistas nacionais – a exemplo de Milton Nascimento e Adriana Calcanhotto.

 

Professor da UFPE

Em sala de aula, Sandroni era admirado pela inteligência refinada e pelo absoluto domínio dos temas retratados. Costumava manter uma postura sóbria e elegante. Via de regra, não precisava se esforçar para capturar a atenção dos estudantes da UFPE.

Com a mesma desenvoltura, era capaz de dissertar sobre a importância do lundu, ainda no Brasil colonial, apontar interseções entre a polca e o samba ou mesmo dissecar, detalhe por detalhe, os festivais que transformaram a música popular brasileira a partir da década de 1960.

Bom contador de causos, também se divertia ao narrar rivalidades e canções que artistas compunham para cutucar seus pares. Citava de cor, por exemplo, a troca de farpas entre Noel Rosa (1910-1937) e Wilson Batista (1913-1968), registrada em dezenas de versos do repertório nacional.

Não raro, Sandroni brindava os estudantes com achados preciosos. Entre os materiais que exibia nas classes, estão vídeos de shows e gravações originais, incluindo raridades da Casa Edison, responsável pelo primeiro samba documentado no país.

 

Caetano, Milton e Adriana Calcanhotto

É célebre, ainda, a discussão que travou com Caetano Veloso, em 2007, sobre “Feitiço da Vila”, composta por Noel Rosa em 1934. Para Caetano, “um feitiço sem farofa/Sem vela e sem vintém…” era expressão de música racista. Para Sandroni, não era bem assim.

“Acontece que esta canção foi analisada por mim no livro Feitiço decente - transformações do samba carioca”, escreveu. “Ocasião em que não só não achei nela o menor traço de racismo, como ao contrário, pretendi considerá-la um marco no processo de aceitação, pela sociedade envolvente, das manifestações musicais dos negros e mestiços pobres do Rio de Janeiro - em outras palavras, à sua maneira uma canção anti-racista!”

Entre as músicas próprias, Sandroni é o autor de “Pão Doce”, composta em 1985, e inicialmente gravada por Clara Sandroni, irmã do professor. Cinco anos depois, a canção esteve em Enguiço, o álbum de estreia de Adriana Calcanhotto.

O professor também foi responsável pela versão de “Guardanapos de Papel”, originalmente composta pelo uruguaio Leo Maslíah, que foi interpretada por Milton Nascimento. Em português, a letra é repleta de expressões poéticas e jogos de palavras.

“Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas / Como se fossem cometas, cometas, cometas / Num estranho céu de estrelas idiotas / E outras e outras / Cujo brilho sem barulho / Veste suas caudas tortas”, diz uma das estrofes.

 

Luto

Em nota, a UFPE lamentou a morte de Carlos Sandroni, que fazia parte do quadro do Departamento de Música e do Programa de Pós-Graduação em Música da universidade.

“Ele foi um dos pioneiros no reconhecimento de mestres e mestras da cultura popular nordestina, coordenando inventários para o registro do Samba de Roda do Recôncavo Baiano e das Matrizes Tradicionais do Forró”, escreveu.

No comunicado, a UFPE relatou que Sandroni era fundador da Associação Respeita Januário (ARJ) e “se destacou pela sua atuação no reconhecimento da herança cultural afro-brasileira e patrimonialização, nacional e internacional, de bens e manifestações culturais”.

Já o Conservatório classificou Sandroni, entre outros predicados, como “formador de gerações de pesquisadores e músicos, incluindo muitos dos nossos professores”.

“Construiu trajetória sólida entre a pesquisa acadêmica e a prática musical: foi professor da UFPE, atuou nos campos da etnomusicologia, do patrimônio cultural e da música popular brasileira, e publicou obras fundamentais sobre o samba, o patrimônio imaterial e a cultura musical do Nordeste”, registrou. “Seu legado permanece vivo na pesquisa, na sala de aula, na escuta da cultura e na vida musical brasileira.”

O professor foi sepultado no Cemitério São João Batista, no Rio, na tarde desta quarta.