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Milton Nascimento faz 83 anos e comemora as cinco décadas do disco 'Minas'

Há 50 anos, 'Minas' marcava o encontro de Bituca com as multidões, diz Ronaldo Bastos, produtor do LP que traz 'Ponta de Areia' e 'Fé cega, faca amolada'

Por Correio Braziliense

Cantor Milton Nascimento

Um retrato do período duro em que nasceu, como também uma maravilha atemporal, que ainda reverbera (muito) 50 anos após seu lançamento. Intacto diante da passagem das décadas, Minas, sétimo álbum de Milton Nascimento — que completa 83 anos hoje, 26 de outubro —, resulta de liberdade artística, risco e ideias vindas de muitos lados, atesta Ronaldo Bastos.

Parceiro de primeira hora de Milton – desde a canção Três Pontas (1967) –, Bastos, de 77 anos, estreou formalmente como produtor artístico de Bituca com Minas. Já tinha assumido tal função, dividida com o próprio Milton, em Clube da esquina (1972). Porém, estes créditos só passaram a figurar em edições do álbum duplo de 2007 para cá. Já em Minas e em Geraes (1976, aberto com o último acorde do disco que o antecedeu), ele assumiu sozinho a condução.

“Olhando em retrospectiva, vejo que o que fiz foi mais uma direção artística, pois tanto Milton quanto os músicos, arranjadores e engenheiros criaram aquele som. Não estou querendo desmerecer o trabalho do diretor artístico, que é vital. É que hoje, quando falamos em produtor, pensamos mais no som que essa pessoa consegue extrair. Eu pensava muito no repertório e em como as composições se relacionariam umas com as outras, a sequência das músicas, além de dividir as ideias sobre músicos que fariam parte do projeto, estúdio, capa, lançamento com o artista”, explica Bastos.

Das 11 canções de Minas, duas figuram entre as 10 mais executadas de toda a trajetória de Milton: Fé cega, faca amolada, uma espécie de continuação de Nada será como antes, de oposição ao regime militar (a voz de Beto Guedes dá mais potência aos versos), e Ponta de Areia, que denuncia o abandono das ferrovias. As perdas durante o governo de exceção também estão em outros dois clássicos: Beijo partido e Saudades dos aviões da Panair.

“Não diria que o Milton de ‘Minas’ é diferente do Milton do ‘Clube da esquina’. A mesma garra e o mesmo impulso criativo estão nos dois trabalhos”, afirma Bastos, relembrando que foi nesta época que Milton ganhou as multidões. “Foi o primeiro artista a encher estádios, e assim permaneceu até as últimas apresentações”, afirma.

Se Milagre dos peixes (1973) se tornou álbum quase totalmente instrumental devido à tesoura da censura, “Minas” é a obra da palavra. “A censura chegou pouco na gente pela falta de sofisticação dos censores. Porque a gente falava muita coisa, é só escutar ‘Fé cega, faca amolada’”, destaca Bastos.

Minas traz extensa ficha técnica. “As pessoas gostam de reduzir tudo aos dois ‘Clubes’ (álbuns de 1972 e 1978), como se só neles tivesse acontecido o encontro de tantos e tão diversos talentos. Mas isso foi assim desde o primeiro momento. É só escutar os discos com atenção e ler os créditos nas fichas técnicas, que incluem até quem servia o cafezinho nos estúdios.”

Nana Caymmi topou!

Nana Caymmi está em Trastevere. “Nós a chamamos para fazer um coro no qual dificilmente ela iria ser identificada como a cantora reconhecida que já era. E o mais louco, ela topou!. Porque o que importava era a música, o resultado daquela experiência.” 

Um dos créditos que mais chama a atenção em “Minas” é a dedicatória a “Rúbio, um menino que juntou duas sílabas do meu nome e descobriu o título”, escreveu Milton no encarte. Primo distante de Wagner Tiso, Rúbio Veiga tinha 12 anos quando gravou o “coro dos meninos” nas canções “Minas” e “Paula e Bebeto”. Ele se tornou saxofonista e morreu em 2012, aos 51 anos, em acidente de parapente na Serra da Moeda.

Além de ser a primeira parceria de Milton com Caetano Veloso, "Paula e Bebeto" é a primeira canção de Bituca gravada por Gal Costa.

“Minas” ainda tem a capa (que capa!), emblemática desde sempre. A fotografia de Cafi veio naturalmente, conta Bastos. “Ele encontrou com o Milton depois de um tempo em que não se viam. Cafi perguntou como ele estava e o Bituca respondeu ‘Estou ótimo!’, e aí ele fez o clique certeiro. Depois, eu, Cafi e Noguchi decidimos que seria a capa. Lembro-me da força dessa imagem, no tamanho do vinil, nas vitrines das lojas de discos.”