80 anos de Gal: como a cantora marcou Pernambuco
Cantora baiana completaria 80 anos nesta sexta-feira (26), se viva estivesse. Ao longo da carreira, esteve em Pernambuco diversas vezes e fez sucesso cantando frevo.
Se viva estivesse, Gal Costa completaria 80 anos nesta sexta-feira (26). Há apenas três anos, sua morte pegou os fãs de surpresa. Até então, havia sido informado que a baiana faria uma breve pausa na agenda para retirar um nódulo da fossa nasal e logo estaria de volta aos palcos. A certidão de óbito da artista, publicada somente oito meses depois, revelou tardiamente a real gravidade do seu quadro: uma neoplasia maligna de cabeça e pescoço indicava câncer. Após a cirurgia, uma infecção a levou a um infarto fulminante.
O ritmo intenso de shows em que a cantora estava, entretanto, demonstrava que ela estava em ótima forma. Somente em Pernambuco, Gal viria três vezes em 2022, se não tivesse sido interrompida pela doença. A primeira delas aconteceu em março, quando a baiana trouxe o show da turnê “As várias pontas de uma estrela”, para o Teatro Guararapes, em março. Em julho, ela ainda retornou ao estado para se apresentar no Festival de Inverno de Garanhuns, sempre diante de um público caloroso. A artista ainda faria outro show no agreste pernambucano em outubro, no festival Macuca das Artes 2022, porém, sua participação foi cancelada por motivos de saúde.
A recorrência de Gal em Pernambuco no seu último ano de vida é reflexo de uma relação fervorosa com o estado. Desde que ganhou destaque no cenário musical brasileiro ao lado de Caetano Veloso, no disco “Domingo”, de 1967, a cantora despertou fascínio especial no público local. Especialmente depois de participar do álbum “Tropicalia ou Panis et Circensis” (1968) e lançar o solo “Gal Costa” (1969), a estrela se tornou o nome mais aguardado em terras pernambucanas, segundo contavam os jornalistas.
As casas de Gal em Pernambuco
Sua primeira vez no Recife aconteceu, enfim, em setembro de 1969, com apresentações no Teatro do Parque e no Clube Náutico Capibaribe. A vinda foi promovida por uma articulação entre o Clube, a Prefeitura do Recife e o grupo Diários Associados, do qual o próprio Diario de Pernambuco fazia parte.
O evento foi divulgado como o maior acontecimento do ano no Recife. Diante das altas expectativas da sociedade, o jornalista João Alberto sugeriu, em sua coluna no Diario, que o Náutico abrisse às vendas também para filiados de outros clubes. “Todo mundo está mesmo interessado em ver a consagrada cantora”, escreveu na época. Logo após, seu pedido foi atendido e até mesmo rivais se uniram para ouvir a estrela cantar.
O show no Teatro do Parque também foi um sucesso, dando um passe para que a cantora voltasse à capital pernambucana com a turnê “Gal a todo vapor”, em 1972, em um espaço maior, o Geraldão. Nesse último caso, porém, o público ficou aquém e Gal passou anos preferindo investir mais em teatros, no Recife.
Tornou-se uma tradição vê-la no já citado Teatro do Parque, para onde levou espetáculos como o “Com a Boca no Mundo” (1977), “Caras e Caras” (1978) e “Gal Tropical” (1980); ou no Teatro de Santa Isabel, onde apresentou “Cantar” (1975) e “Divino Maravilhoso” (1973). Nesse último show, ainda contava com ninguém menos que o pernambucano Dominguinhos na sanfona.
Uma de suas passagens mais emblemáticas pelo estado aconteceu durante I Festival de Verão de Nova Jerusalém, em fevereiro de 1974. Divulgado na imprensa como o maior show ao ar livre do Brasil, o evento ainda contava com outros nomes da MPB na programação, como Gilberto Gil, Quinteto Violado, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Toquinho e Vinicius de Morais.
Apesar do alto investimento, a produção deslizou na logística do evento, provocando um atraso de mais de 1h na programação, de acordo com a cobertura do Diario na época. Os imprevistos deixaram a plateia irritada e pouco receptiva a apresentação de Gal. Usando sandálias havaianas e flores nos cabelos, estilo que marcou a turnê “Divino Maravilhoso”, do disco “Índia”, a cantora cantou sob aplausos e vaias. A situação a levou ao choro no camarim, mas ela voltou a cantar e seguiu com o show até o fim.
O episódio foi superado de vez em 1976, com o grande sucesso da apresentação dos Doces Bárbaros, projeto que Gal integrou junto a Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, no Geraldão. Considerado “o maior show artístico do ano” pela imprensa na época, o evento bateu recorde de público em Pernambuco na época.
Gal e o frevo
Em fevereiro de 1982, Gal voltou sozinha ao Geraldão com o show “Festa no Interior”, do disco “Fantasia”, lançado no final do ano anterior. O título do espetáculo era o mesmo da música de maior sucesso do álbum: um frevo, composto por Moraes Moreira e Abel Silva, eternizado na voz da baiana. No Diario, dizia-se que a música estava “fadada a ser um dos maiores sucessos do próximo carnaval” e figurava como a mais ouvida do Brasil.
Ainda segundo o jornal, “Festa no Interior” chegou a ser lançada como single antes mesmo do álbum e, sozinha, vendeu mais de 50 mil cópias somente no Recife. O segundo maior sucesso do álbum foi “Massa Real”, outro frevo, desta vez composto por Caetano Veloso.
A predominância das músicas nos salões de carnaval pernambucanos chegou a despertar ciúmes entre compositores do estado, como o maestro Edson Rodrigues, que escreveu uma carta ao Diario, ressaltando a importância da produção recifense. “O que vai ser cantado nesse carnaval? Gal Costa e Moraes Moreira. Paciência, mas além da linguagem jovem e descompromissada, tem a máquina promocional”, desabafou.
Mas não se pode dizer que Gal caiu de paraquedas no universo do frevo como muitos se queixavam. Antes mesmo do disco “Fantasia”, a cantora já havia demonstrado interesse pelo estilo e gravado outras músicas do gênero. São os casos de “Deixa Sangrar”, para o disco “Legal”, de 1970; e “Chuva, Suor e Cerveja”, na gravação do show de “Gal a todo vapor” que resultou no disco “Fa-tal”, em 1971, ambas de Caetano.
Sua vocação para o ritmo foi chancelada ainda mais quando subiu ao palco do Marco Zero, em 2007, para interpretar grandes clássicos carnavalescos ao lado da SpokFrevo Orquestra. No repertório estavam “Evocação n° 1”, de Nelson Ferreira; “Máscara Negra”, de Zé Keti e Pereira Matos; e a marcha “Bandeira Branca”,de Max Nunes e Laércio Alves.
Lançamentos
Porém, nem só de saudade vivem os fãs da Gal. Os 80 anos da cantora contam com algumas novidades, como o lançamento do disco “As várias pontas de uma estrela (Ao Vivo no Coala”, no próximo dia 17 de outubro. A obra póstuma é um registro do último show da baiana, feito no dia 17 de setembro de 2022, no festival Coala, em São Paulo. A apresentação aconteceu apenas um dia antes da artista realizar a cirurgia para a retirada do tumor nas fossas nasais.
As músicas “Como 2 e 2”, de Caetano Veloso, e “Vapor Barato”, de Wally Salomão, contaram com as participações dos cantores Rubel Rubel e Tim Bernardes, respectivamente, e já estão disponíveis nas plataformas de streaming. Os singles foram lançados antecipadamente junto com a versão ao vivo de “Brasil”, composta por Cazuza. O show completo será lançado também em vinil, pela Biscoito Fino.
A data do aniversário de Gal ainda é reforçada pelaa chegada dos discos “Bem Bom” (1985), “Lua de Mel como o Diabo Gosta” (1987), e “Gal” (1992) nas plataformas de streaming, além da reedição do álbum “Estratosférica” (2015), em vinil. A nova edição do disco é coberta por um plástico com desenhos que fazem alusão a arte da capa de “Legal” (1970).