Documentário 'Do Outro Lado do Pavilhão' expõe as desigualdades que persistem após o cárcere
Exibido no 35º Cine Ceará, o documentário Do Outro Lado do Pavilhão mostra como o judiciário, em vez de promover a ressocialização de ex-detentas, contribui para a repetição de ciclos de pobreza e exclusão
Dizer que não existe sentença perpétua no Brasil é uma meia verdade. Esta reflexão é o ponto de partida do documentário Do Outro Lado do Pavilhão, que integra a Mostra Competitiva Ibero-Americana de Longa-Metragem no 35º Cine Ceará. A produção acompanha duas mulheres cuja amizade nasceu atrás das grades e que seguem marcadas por um sistema que lhes impõe uma condenação contínua de exclusão, mesmo após o cumprimento da pena.
Dirigido por Emília Silveira e produzido por Rosane Hatab, o filme opta por não entrar nas prisões, mas expor sua lógica de dentro para fora, a partir do olhar de quem a viveu. Pelas trajetórias de Érica e Núbia — negras e de baixa escolaridade, perfil que corresponde a 77% da população carcerária feminina — a obra revela como esse universo é percebido e vivido por quem o enfrentou. “Não se olha para elas e pensa ‘bandidas’. Aquelas mulheres poderiam ser nossas vizinhas, amigas, colegas de trabalho”, comenta Emília.
ATALHO
Dessa forma, o documentário nos força a confrontar a pergunta: o que leva uma ‘vizinha’ ao crime? Na realidade das personagens, a opção ilegal não é uma escolha livre, mas um mecanismo de sobrevivência. Impedidas de prover o sustento de suas famílias através de um trabalho, a perspectiva de ganhos imediatos, ainda que arriscados, configura-se como um atalho inevitável para o alívio financeiro, levando-as a trocar a invisibilidade social por outra forma de aprisionamento.
Dentro do contexto carcerário, Do Outro Lado do Pavilhão revela como a luta pela sobrevivência simplesmente assume novas formas. Laços representados por figuras como “pai de cela” e “mãe de cela” mostram que, atrás dos muros, surge um tecido social alternativo. É uma necessidade frente a um sistema no qual, a cada mil mulheres presas, apenas 200 têm advogados.
Mesmo ao buscarem um novo caminho, as grades parecem aguardá-las, como uma condenação pré-estabelecida que se renova. “A prisão é feita para os pobres, para os negros, para quem não tem oportunidades”, reforça a diretora.