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Ghost of Yotei: Protagonista potente e busca por vingança fazem lenda do fantasma brilhar

'Ghost of Yotei' será lançado dia 2 de outubro; veja o que achamos do novo exclusivo da PlayStation

Por Antônio Gois

Still de 'Ghost of Yotei'

Games que abordam a cultura antiga japonesa estão em alta há algum tempo e tomaram o mainstream desde a última década. Contando histórias que vão de guerra a amor, estúdios ocidentais e orientais vêm buscando explorar mais desse folclore que já serviu tanto ao cinema e à literatura. Com isso, vemos um movimento de renascimento de franquias, como é o caso de Silent Hill e Onimusha, da Konami e Capcom, respectivamente, e o nascimento de outras, como parece ser o caso aqui.

Ghost of Tsushima’, lançamento exclusivo da PlayStation desenvolvido pela Sucker Punch, chegou em 2020 sendo um RPG ambicioso, que trazia uma história sólida, misturado a um mundo aberto belíssimo e, principalmente, mecânicas de combate fluidas, divertidas e afiadas. Passando-se no Japão durante a invasão mongol, ‘Tsushima’ agradou jogadores e crítica, sendo reconhecido até por organizações do local que deu nome ao game, devido a forma com que trouxe a natureza e cultura locais.

Dessa forma, não foi tanta surpresa quando em setembro de 2024 foi anunciado o que seria sua sequência: ‘Ghost of Yotei’, título exclusivo de PlayStation 5 que será lançado no dia 2 de outubro.

Anos após testemunhar sua família sendo assassinada em um ataque em sua própria casa e ser deixada para morrer, Atsu quer vingança contra o temido grupo responsável por sua perda: os Seis de Yotei. Para isso, ela volta à sua terra natal de Ezo não como a criança ferida, mas como uma onryo, um espírito vingativo que não mede esforços para trazer paz à memória de seus entes queridos.

Ghost of Yotei

É seguro começar a análise afirmando que muito de ‘Ghost of Yotei’ é um avanço em relação ao que foi proposto em ‘Tsushima’. Os conceitos trazidos no primeiro jogo são ampliados nesta sequência, desde a relação do jogador e personagem com a natureza, passando pela história, ambientação, progressão e, principalmente, o protagonista.

Enquanto Jin Sakai, personagem principal do primeiro game, é um samurai que enfrenta o desafio de deixar de lado suas crenças e valores por um bem maior, Atsu não acredita em nada além da vingança. Isso faz dela uma mulher impiedosa e determinada, mas cheia de camadas. Os dilemas e conflitos internos enfrentados por ela no decorrer do enredo são bem mais interessantes e melhor construídos em comparação ao seu antecessor, o que faz com o que o jogador se sinta bem mais conectado com aquela figura imperfeita e que não faz questão de ter honra, embora a conquiste mesmo assim.

Ela preenche muito bem o arquétipo do anti-herói, que se torna bem mais atraente ao jogador do que a perseguição pela perfeição enfrentada por Jin. Ela é durona, destemida e briguenta, características cativantes dado o papel que ela representa no jogo e consequências de seu passado, desenvolvidas em uma época que não vemos, só ouvimos falar - uma lacuna no tempo que aqui não faz falta e nem caberia, mas que eu adoraria ver em uma produção futura.

Aplicando a ela uma mecânica interessantíssima de voltar às suas memórias, vemos muitas semelhanças entre a garotinha que sofreu perdas irreparáveis e a mulher que pretende vingá-la. Aquela garotinha ainda está ali, mas seus traumas e feridas falam tão alto que a violência acaba sendo sua maior linguagem, algo que a história explora muito bem e desenvolve de forma cadenciada, à medida que vamos a conhecendo e vendo como ela reage às situações que a esperam.

Desde os primeiros minutos de jogo, somos apresentados ao novo mito do fantasma, ou melhor, da onryo, como ela é amplamente chamada. O tratamento que ela recebe dos inimigos, que sempre repetem seu título, exalta a forma ameaçadora que sua determinação toma forma e ajuda a criar essa aura poderosa ao seu redor, que ela mesma evita constantemente, mas sem sucesso. Dessa forma, a persona do fantasma é desenvolvida com muito mais potência, se tornando algo longe do ícone de esperança do primeiro jogo, mas sim alguém a quem se deve temer, que funciona bem melhor narrativamente.

Para além da onryo, o background da própria Atsu também recebe muita atenção. Constantemente, são trazidos flashbacks com a sua família, que refletem diretamente na história e na gameplay, adicionando mecânicas e detalhes que fazem dela uma personagem a quem desenvolvemos laços. Uma dessas mecânicas é a do shamisen, instrumento de cordas japonês que a acompanha em sua jornada, sendo parte fundamental da história, da trilha sonora e da gameplay, conectando o jogador à personagem e ela às suas memórias, criando uma sinergia interessantíssima entre essas três partes.

A importância dos coadjuvantes também é bem trazida aqui, incluindo nosso cavalo, com quem temos uma relação mais detalhada. Temos arquétipos bem definidos, interessantes e trabalhados, que conversam muito bem com a jornada de Atsu e a fazem amadurecer, incidindo diretamente em sua forma de ver o mundo e lidar com seus objetivos. Esses companheiros, que conhecemos ao longo das boas horas de gameplay, são apresentados de forma natural e até mesmo surpreendente enquanto perseguimos os Seis, ao passo que liberamos novas áreas do jogo.

Tal perseguição, diferente do esperado, não dota de tanta liberdade assim. Certo que aqui há um mundo aberto e que, na teoria, o jogador pode escolher para onde quer ir. Porém, o roteiro estabelece uma ordem que não dá para escapar, tangendo o jogador de forma não muito legal em alguns finais de objetivos. Entretanto, isso só se aplica às missões da história que, apesar disso, é contada de forma fluida.

Diferente de ‘Tsushima’, em que o roteiro busca mais a criação de momentos grandiosos, aqui temos uma boa consistência no quesito emoção, com o game adotando uma postura mais ‘pé no chão’ e mantendo um ritmo bom, o que também funciona, já que se trata de uma história mais complexa e traz personagens mais profundos, o que demanda um texto mais assertivo.

O que não significa que o jogo traz seriedade o tempo todo, já que sabe bem dosar os momentos de tensão com os de contemplação e descompromisso. A exploração do mapa, formado quase sempre de planícies, com tem um quê de Elden Ring (FromSoftware, 2022), é prazerosa e leva o jogador a descobrir novos pontos de interesse, como locais de reforço, desafios, segredos e bases aliadas e inimigas de forma leve.

Essa exploração funciona de forma agradável muito devido a boa ambientação do jogo, que traz a natureza para além de um mapa. Se no primeiro game o vento fala através das folhas, aqui nos deparamos com grupos de cavalos selvagens correndo pelos campos, enxames de vagalumes embelezando a noite, quedas d’água brilhando sob o sol e povos nativos buscando conversa. É aí que mora a liberdade em ‘Yotei’ e a impecável direção de arte trabalha muito bem em trazê-la ao jogador - cada bioma tem suas características naturais e beleza, assim como cada ambiente, roupas e cosméticos contam uma história. Desse mesmo modo, é muito interessante observar como o trabalho de modelagem dos personagens tem um objetivo e a dos ambientes tem outro, já que enquanto o jogo busca um realismo nas feições, roupas e armas, o ambiente é tratado de forma muito mais leve e até mesmo romântica.

Sendo assim, dá pra considerar que ‘Ghost of Yotei’ é extremamente competente no que se propõe visualmente, levando em conta que iluminação, efeitos de reflexo, interação com o ambiente e a quantidade de elementos em tela, por exemplo, recebem um salto muito bem executado em relação ao seu antecessor. Por outro lado, as expressões faciais também são bem mais refinadas, mas sofrem com um exagero em algumas cenas, algo que daria para ser melhor ajustado, já que era o ponto mais fraco nos visuais do primeiro jogo.

Levando tudo em conta, dá até para dizer que o game é econômico em relação a oportunidades de ‘se exibir’. Momentos em que somos impactados pela beleza existem, mas não faria mal um certo orgulho quando ao trabalho realizado graficamente, já que o game merece ser muito reconhecido também por essa questão.

Outra característica que fez o primeiro ‘Ghost’ chamar atenção foi, claro, o combate, também trazido de forma mais complexa aqui. Se no primeiro jogo tínhamos posturas diferentes para atacar com a katana, agora temos armas diferentes que têm o mesmo objetivo, com cada uma servindo como reação a arma escolhida pelo inimigo.

No corpo a corpo, além da katana, temos uma Yari (lança), Kusarigama, katana dupla e a Odachi, que é uma espada longa e pesada para ataques concentrados. Cada uma serve como resposta a um comportamento, mas também oferecem estilos de luta diferenciados, todos combinando bastante com a proposta de um combate veloz, inteligente e preciso.

As mecânicas são muito funcionais e fluidas, repetindo o êxito do primeiro game, mas adicionando novos elementos, como o ótimo uso do ambiente, que permite que ataquemos com alguns objetos espalhados pelo cenário; diferentes opções de uso imediato, que dão mais dinamismo para as sequências de luta; e os métodos de defesa e contra-ataque, essenciais para responder às investidas inimigas, oferecendo um realismo muito bem traduzido pela movimentação em luta, que reforça a brutalidade da Atsu para com seus adversários.

A ação funciona bem não só no combate normal, mas também nos duelos, já que os inimigos exploram o uso das armas e dos outros elementos, forçando o jogador a se adaptar ao seu estilo em batalhas mais desafiadoras.

Algo que também é uma boa adição aqui são os novos modos de jogo. Além do modo Kurosawa, que adiciona um filtro pretro e branco estilizado, temos também o modo Miike, que aumenta a quantidade de lama e sangue e fecha a câmera para dar um toque cinematográfico, que funciona muito bem para deixar a gameplay mais ‘suja’ e ‘crua’, oferecendo mais drama ao combate, e o modo Watanabe, que adiciona faixas lo-fi ao game, que funciona muito bem durante as explorações nos mapas. Aliás, a presença desses modos me fez querer ver mais alternativas à gameplay, como um modo que deixasse o combate mais cadenciado e letal. Não que ele seja demasiadamente apressado ou que as dificuldades não sejam balanceadas, que não é o caso, mas apenas fica a curiosidade do que seria uma proposta mais realista a um combate que oferece tantas possibilidades.

Além disso, também é destacável o uso do Dualsense, controle do PlayStation 5, durante o jogo. Do funcionamento dos menus até a mecânica de cozinhar, a tecnologia táctil e sonora do controle é deliciosamente utilizada e o jogador é convidado a sentir uma experiência que adiciona uma boa imersão.

Com tudo isso em mente, é óbvio dizer que ‘Ghost of Yotei’ é uma experiência mais do que satisfatória: é um jogo que abraça o jogador em todos os sentidos, oferecendo complexidade, beleza, diversão, história e, felizmente, uma protagonista que deve ser lembrada e, com sorte, trazida de volta em algum ponto futuro da PlayStation.

Nota: 90/100

*Uma chave do jogo foi enviada pela PlayStation para a produção dessa análise.