No curta 'O Último Carnaval', folia é amordaçada pela barbárie
Curta-metragem pernambucano 'O Último Carnaval', dos diretores Domingos Antonio e Flávio Ermirio, propõe reflexão sobre o carnaval em realidade distópica
E se uma política autoritária de estado proibisse o carnaval acontecer da maneira como os pernambucanos conhecem? Propondo uma reflexão simultaneamente especulativa e fincada na realidade, a dupla de diretores Domingos Antonio e Flávio Ermirio tratam exatamente disso no curta-metragem O Último Carnaval, que terá uma sessão especial, exclusiva para convidados, nesta segunda, às 20h30, no Cinema da Fundação (Museu), antes de iniciara sua rodagem por festivais.
No filme, ambientado nessa realidade distópica, Giovanna (vivida pela pernambucana Julia Konrad) e seu noivo Gregório (interpretado pelo próprio diretor, Domingos) curtem uma festa em uma cobertura de luxo da família dela. Um encontro com um terceiro personagem, um DJ (Nivaldo Nascimento), corpo estranho àquele ambiente tenso, pode mudar tudo.
A dupla de cineastas filma com a urgência que dialoga diretamente com os nosso tempos e recusa qualquer tipo de sutileza no texto ou na forma, abraçando justamente o absurdo normalizado pelo dia a dia. Machismo, racismo, armamentismo e violência verbal estão entre os assuntos que se misturam até, de maneira surpreendente, culminar na temática carnavalesca.
A ideia original do roteiro veio à tona em 2019, durante o período carnavalesco, e surgiu de um caso real de intolerância vivenciado pelo dramaturgo paulista Clovys Torres. “Ele nos relatou uma experiência absurda ocorrida em São Paulo e foi impossível não relacionar aquilo com o momento assustador que estávamos vivendo, com a legitimação da barbárie e o ataque às maiorias minorizadas”, destaca Domingos em entrevista ao Viver. “Com essa ideia de um Brasil distópico, passamos a trabalhar o sufocamento da nossa maior identidade como brasileiros: o carnaval, que sempre fez parte da nossa decisão de filmar em Pernambuco”.
“O carnaval é uma grande metáfora do afeto. Todo o enfrentamento do que vivíamos no governo anterior era contra essas relações afetuosas, coletivas. Foi central para nós consolidar essa ideia dessa festividade como um espaço para que possamos exercer nossos amores e nossa liberdade”, ressalta ainda Flávio. “Começamos a escrever a trama em um tempo e ela acaba chegando em outro momento histórico bastante diferente, o que traz também uma experiência interessante de repensar as questões que nos assombram”.
Julia Konrad, que estrelou longas elogiados como Paraíso Perdido, de Monique Gardenberg, e Câncer com Ascendente em Virgem, de Rosane Svartman, comenta ainda sobre a importância criativa do curta-metragem para o cinema brasileiro. “Eu acho um formato muito generoso, porque você consegue viabilizar uma ideia do modo mais descomplicado possível”, pontua. “É um espaço cinematográfico que te dá liberdade criativa, de troca, de experimentações. É interessante até para testar conceitos, errar também, claro. Mas é aí onde mora a beleza e a mágica acaba acontecendo”. Em O Último Carnaval, realmente aconteceu.