Angela Ro Ro viveu com a mesma intensidade das suas músicas
Com várias passagens em Pernambuco desde 1980, cantora morreu nesta segunda-feira (7), aos 75 anos, e deixa legado inestimável para a música brasileira
No último sábado, durante a estreia da turnê em que comemora 60 anos de carreira, a diva Maria Bethânia incluiu no repertório Mares da Espanha e Gota de Sangue, clássicos de Angela Ro Ro. Não imaginava que aquele gesto de afeto seria também uma despedida. Nesta segunda-feira (8), Angela morreu, aos 75 anos, após sofrer uma parada cardíaca durante um procedimento cirúrgico. Ela estava internada desde julho e havia passado por uma traqueostomia em razão de uma infecção pulmonar.
Havia uma magia especial naquela voz rouca e grave que, ainda na infância, deu à pequena Angela Maria Diniz Gonsalves o doce apelido de “Ro Ro”, e cujo timbre, depois de adulta, tornou-se quente e sensual a ponto de ser comparada a Janis Joplin. Nascida em 5 de dezembro de 1949, a artista carioca encontrou no piano clássico a sua primeira escola. Mas a sua estreia profissional foi tocando gaita no clássico álbum Transa, de Caetano Veloso, gravado em Londres.
De volta ao Rio, passou a se apresentar em casas noturnas e logo chamou atenção da gravadora Polydor. Resistente à fama, lançaria seu álbum de estreia apenas em 1979, trazendo clássicos inesquecíveis como a já citada Gota de Sangue, Balada da Arrasada, Agito e Uso, Tola Foi Você e a icônica Amor, Meu Grande Amor, em parceria com Ana Terra, na qual escancarou para o país um desejo feminino até então apenas sussurrado.
A voz grave de Ro Ro conduzia suas músicas de amor, mas sua irreverência também se destacava. “Por mais que a coisa esteja ruim no mundo inteiro, tenho consciência disso, o humor me acompanha. Costumo dizer que o humor é o irmão mais inteligente do amor”, disse a cantora ao Viver, antes do seu último show que realizou no Recife, no Teatro do Parque, em abril do ano passado.
Sua primeira passagem em Pernambuco ocorreu durante uma curta temporada no Forró Cheiro do Povo, em Olinda, entre 15 e 17 de abril de 1980, quando realizou uma série de apresentações. Sobre seu trabalho, o Diario de Pernambuco observou na época: “A música da Angela Ro Ro não é somente para se sentir, mas especialmente, para se subentender”. Durante a sua estadia, segundo o jornal, ela arrumou tempo até para jogar uma partida de futebol.
Assumidamente lésbica desde os primeiros passos da carreira, enfrentou a repressão da ditadura e seguiu adiante com intensidade, entre excessos e superações. Polêmicas muitas vezes ofuscaram suas músicas, mas ela se reergueu após lutar contra o alcoolismo e surpreendeu ao aparecer 40 quilos mais magra no fim dos anos 1990. Seu verdadeiro legado não está nos escândalos: é a lembrança de uma artista que disse o que muitos calavam e cantou o que poucos tiveram coragem.