Ortinho mergulha na psicodelia e apresenta álbum 'O Repensista' livre de convenções
Herdeiro de uma tradição psicodélica, Ortinho assina disco 'O Repensista' que não se dobra ao mercado
No rastro da contracultura, o início da década de 1970 revelou uma geração de artistas nordestinos que fundiu tons lisérgicos ao chão do sertão. Nomes como Alceu Valença, Ave Sangria, Zé Ramalho e o saudoso Lula Côrtes estiveram à frente de uma revolução musical cuja linhagem Ortinho é herdeiro direto, como mostra em O Repensista, seu novo álbum. Profundamente inspirado por esses mestres, mas com uma veia pop, o músico caruaruense dá tom e voz ao Nordeste psicodélico de hoje.
Batismo artístico de Wharton Gonçalves Coelho Filho, Ortinho ganhou projeção nos anos 1990 como vocalista da banda Querosene Jacaré. Já ali, revelava uma escrita visceral e pessoal, atravessada pela psicodelia, que sabia filtrar influências sem diluir a sua essência autoral. “Busco todas essas referências, mas também busco uma abordagem mais contemporânea, mais universal, mais minha”, afirma ele, em conversa com o Viver, sobre o álbum que apresenta nove faixas, incluindo seis inéditas.
O artista amplia a proposta do EP O Repensista, resgatando canções como Grito de Uma Arara, em parceria com ninguém menos que Marco Polo, voz do mítico Ave Sangria e já presente em Caruarus (2022), disco de forró de Ortinho “A partir dessa faixa, mergulhei de novo nas sonoridades que sempre me inspiraram. Escutei de novo muita coisa, buscando o fio condutor dessa estética”, aponta. Por meio de composições abstratas, o que define como ‘linguagem orquídica’, o artista apresenta músicas enraizadas no popular, misturando repente e a tradição da literatura de cordel.
De Repente, por sua vez, nasceu de uma promessa feita de Ortinho à Cássia Eller no Festival de Inverno de Garanhuns, em 2001. A composição foi criada em apenas 10 minutos, mas no mesmo dia, a notícia do falecimento da artista o levou a guardá-la na gaveta. Após perceber a atmosfera do novo disco, ele decidiu que era o momento certo para registrar a faixa em definitivo. “É toda construída em forma de repente, e quando fecho os olhos, só consigo imaginar a voz dela cantando”, lamenta.
Na percepção do músico, a psicodelia do Nordeste, muitas vezes relegada às cenas alternativas, também tingiu de cores alucinadas os trabalhos de gigantes como Gilberto Gil e Caetano Veloso nos álbuns Expresso 2222 e Araçá Azul, respectivamente. “Eram profundamente psicodélicos à sua maneira. Eles ajudaram a moldar essa estética que não é só regional: é brasileira e universal”, destaca Ortinho, que soma parcerias com Arnaldo Antunes, Chico César, Zeca Baleiro e Jorge Du Peixe.
Assim como seus antecessores, Ortinho não produz canções para agradar ao paladar do mercado, mesmo sabendo que essa escolha o mantém distante dos radares comerciais. “Para mim, a música boa hoje é a música marginalizada”, atesta. “É uma forma de incentivar a nova geração a buscar suas próprias referências, a não ficar presa em bolhas e formar opinião própria”, completa. Nem underground, nem mainstream, Ortinho é um nome que não cabe em categorias porque as transcende.