Em 'A Melhor Mãe do Mundo', o amor não conhece peso nem fronteiras
Grande vencedor de Melhor Filme no 29º Cine-PE, 'A Melhor Mãe do Mundo' é o novo filme de Anna Muylaert (de 'Que Horas Ela Volta?') e entra em cartaz nesta quinta (7)
Faz tempo que a catadora Gal (Shirley Cruz) está vivendo uma relação abusiva com Leandro (Seu Jorge). Dá para ver no seu rosto ferido o nível de forças que ela precisa encontrar dentro de si não apenas para denunciá-lo, mas também para tomar uma atitude com relação ao seu destino e dos seus dois filhos pequenos.
Em A Melhor Mãe do Mundo, novo trabalho da cineasta Anna Muylaert (de Durval Discos e Que Horas Ela Volta?), que acaba de entrar em cartaz no Recife, a força de vontade e o instinto protetor de Gal são os motores que carregam a sua carroça pelas ruas de São Paulo, em direção à casa de sua prima Valdete (Luedji Luna), fugindo do seu agressor.
O feminino e o maternal são assuntos recorrentes na filmografia da diretora paulistana, que trabalhou com diferentes noções de mãe tanto em Que Horas Ela Volta?, de 2015, o maior sucesso de sua carreira, quanto em Mãe Só Há Uma, de 2016. Aqui ela concilia esse olhar humanista e sensível sobre a mulher com uma jornada de cunho mais visceral que flerta com a ideia de um road-movie, com paradas em diferentes cantos de uma metrópole hostil e áspera, a qual Gal precisa transformar em lugar de acolhimento e diversão para os seus pequenos.
O fato de a diretora filmar em diversas locações abertas dá uma autenticidade notável ao drama de A Melhor Mãe do Mundo e, principalmente, às caracterizações. Shirley Cruz vive essa protagonista com um olhar feroz que esconde as suas fragilidades e desistências só até onde consegue. A maior virtude do filme, provavelmente, está na falta de romantização dessa maternidade aguerrida de Gal, que tem como suporte para o drama e para o ótimo senso de humor as atuações prodigiosas dos mirins Rhianna Barbosa e Benin Ayo.
O impulso da personagem principal para atravessar a cidade com uma carroça nas costas opera sempre em conjunto com seu desejo incalculável de ver os filhos felizes. E o momento mais comovente do roteiro é, sem dúvida, aquele em que o cansaço bate à porta e eles é que precisam reanimá-la para que possam seguir em frente.
O tempo que Muylaert dá para explorar o trabalho das catadoras de lixo, através dessa sua personagem, ajuda demais na credibilidade da premissa. Não é fácil para uma lente privilegiada conseguir mostrar esse universo com um olhar tão franco, sem pudor ou tampouco fetichizações — e, sem demonstrar esforço, a diretora faz isso bem em toda a parte introdutória do seu filme.
Quando o road-movie dá lugar a uma maior centralidade geográfica, A Melhor Mãe do Mundo infelizmente perde força e cede o espaço de realismo fabular que articula tão bem para um roteirismo algo televisivo, uma busca obsessiva por diferentes maneiras de amarrar a história. A opção por esticar o desfecho empobrece os assuntos discutidos, sobretudo a questão da interdependência e do abuso cíclico, e fica evidente como precisa recair em uma série de lugares comuns para evitar maiores problematizações.
É, ainda assim, um resultado bem mais recompensador em sua força emocional do que o último trabalho de Anna Muylaert, a datada sátira O Clube das Mulheres de Negócios. Com A Melhor Mãe do Mundo, a diretora se reencontra na ambientação urbana da cidade da qual conhece tão bem suas contradições. E, com a presença Shirley Cruz, ela reforça a sua capacidade de criar aproximar a plateia das emoções mais transparentes das histórias que filma.