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Incêndio na Caxangá: feminicídio causa destruição de comunidade

Mulher, identificada por vizinhos como Isabele, morreu com os filhos. O suspeito está preso

Por Mariana de Sousa

Comunidade foi rapidamente arrasada pelo fogo

Mais um caso de feminicídio destruiu uma família com crianças e cerca de 30 moradias vizinhas, na comunidade do Icauã, no bairro da Caxangá, no Recife. No sábado (29), um incêndio em uma das moradias - um imóvel misto, de alvenaria e de madeira - se alastrou, queimou casas vizinhas e matou Isabele, supostamente grávida, e os 4 filhos de 5, 4 e 2 anos, e um bebê 1 ano.

A vizinhança não sabe detalhes sobre ela, quantos anos tinha. O local é uma ocupação do Movimento Urbano dos Trabalhadores Sem Teto (MUST). O que aconteceu ainda está sob investigação policial, mas os vizinhos ouvidos pelo Diario de Pernambuco, ontem à noite, relatam que o homem, conhecido ali por “Guel”, usou gasolina para atear fogo da família e a mulher morreu em uma cama, abraçada aos filhos. Logo após a tragédia, ele foi contido e agredido por populares e preso por equipes do 12º Batalhão da Polícia Militar e levado para atendimento médico antes de ser preso em flagrante.

Uma vizinha, Cristiana da Silva, contou à reportagem que Isabele era bonita, jovem. “Era discreta, na dela. Eu chamada ela de ‘sereia’, dizia que ela fosse embora, que arrumasse um emprego, que voltasse pra casa da mãe. Não via brigas, mas ela dizia que ele voltava agressivo quando ‘pernoitava’, era ‘raparigueiro’, mas nunca deixou faltar comida para os filhos”.

Antes do ocorrido, segundo Cristiana, “Guel” espancou Isabele e a feriu com uma faca de serra. “Ela foi na minha casa e contou que ele tinha chegado brabo e com gasolina. Chegou (à casa da vizinha) com os três filhos (maiores), o pequeno ficou dormindo. Entrei pra tomar banho e quando saí já foi com minha mãe gritando por causa do fogo. Ela (Isabele) era dona de casa, os meninos eram doces. Foi maldade dele fazer isso. O bombeiro que disse que ela abraçou os filhos pra proteger, mas foi tarde”, narrou.

O fogo começou no início da tarde e se espalhou rapidamente pelos barracos de madeira e lona da comunidade, que existe há cerca de oito anos. O Corpo de Bombeiros enviou oito viaturas e 26 militares para a ocorrência, utilizando cerca de 45 mil litros de água no combate às chamas. Mesmo com a rápida ação, casas foram destruídas, deixando dezenas de moradores sem abrigo.

O caso está sendo investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A perícia da Polícia Científica deverá ser realizada nos próximos dias para esclarecer as causas e circunstâncias do ocorrido.

Vizinhança é vulnerável e precisa de reconstrução

Os vizinhos que perderam suas casas dormiram na rua no fim de semana. Ontem à noite, a luz foi religada e voluntários levaram colchões e ventiladores para as crianças. A comunidade é absolutamente vulnerável. Os moradores contaram que, hoje cedo, a Defesa Civil vai ao local fazer a limpeza.

O incêndio se alastrou rápido, queimou tudo, inclusive documentos. Desde o ocorrido, as doações não pararam de chegar, e as pessoas da Icauã, agora, precisam de material de construção para reerguer suas moradias. “A gente vai dormir no barraco queimado mesmo, porque não tem pra onde ir”, conta Cristiana.

“Pode parecer que a morte dela (Isabele) foi esquecida, por causa da movimentação dos voluntários, comida sendo feita. Mas a gente olha e lembra que foi por causa do que aconteceu. Feminicídio, violência, a forma como os homens fazem com as mulheres”, disse um vizinho.

A Prefeitura do município disse estar prestando apoio por meio do Centro de Operações do Recife (COP), oferecendo cestas básicas, colchões, água, kits de higiene e limpeza. Também foram disponibilizadas vagas de acolhimento no abrigo Travessa do Gusmão, auxílio funeral e apoio para emissão de documentos perdidos.

No domingo (30), a gestão municipal fez a demolição de estruturas afetadas pelo incêndio, alegando que o material retirado oferece risco à população. A retirada dos entulhos será feita pela Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb).

Um plantão multiprofissional da Unidade de Saúde da Família Mais (USF +) Olinto de Oliveira também esteve à disposição dos moradores da comunidade, no domingo, com profissionais de medicina, enfermagem, saúde mental, assistência social, farmácia e agente comunitário de saúde.