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Microrregiões do Nordeste têm 30 mortes por 100 mil habitantes em sinistros de moto, mostra IPEA

Região combina frota crescente, desigualdade socioeconômica e expansão acelerada do mototáxi. Outros estados também registram alta, mas com padrões distintos

Por Adelmo Lucena

Nordeste tornou-se centro da crise de segurança viária envolvendo motocicletas

A presença das motocicletas nas ruas cresceu de forma contínua nas últimas décadas, mas nenhum território sentiu o impacto como o Nordeste. De acordo com dados analisados e divulgados nesta quinta-feira (27) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), microrregiões do Nordeste atingem mais de 30 mortes por 100 mil habitantes apenas em sinistros de motocicleta, índices similares aos observados em nações africanas e asiáticas com sistemas de transporte menos seguros.

A região é uma das que mais expandiram a frota de motos no país, ao lado do Norte, e se tornou o epicentro das estatísticas de mortalidade e morbidade decorrentes de sinistros envolvendo esses veículos.

A proporção de motocicletas dentro da frota total chega a patamares inéditos em estados nordestinos, superando com folga a média nacional, em que motos representam cerca de 30% dos veículos registrados. O Maranhão é o caso mais extremo, com quase 60% da frota composta por motos (59,7%), seguido pelo Piauí (55,1%), números comparáveis aos de países asiáticos, onde a motocicleta é predominante.

Esse avanço, embora tenha ampliado o acesso à mobilidade nas cidades e zonas rurais, coincidiu com um aumento no número de mortes e internações hospitalares. Em Pernambuco, até setembro de 2025, mais de 22 mil ocorrências envolvendo motos foram registradas, incluindo 355 mortes.

Mortalidade e internações

Nos 25 anos analisados, o Brasil viu as mortes por motos saltarem de 792 (1996) para 13.521 (2023), um aumento de 15 vezes. Grande parte da aceleração dessa estatística se concentra justamente nas regiões mais pobres.

Municípios nordestinos, sobretudo os de pequeno e médio porte, são os mais vulneráveis e as taxas de mortalidade por motos nesses locais superam com folga as dos grandes centros urbanos, onde o tráfego mais lento reduz a gravidade dos sinistros.

Paralelamente ao aumento das mortes, as internações por sinistros envolvendo motocicletas cresceram mais de 11 vezes desde 1998. Em 2024, 60% de todas as internações por sinistros de transporte terrestre no SUS foram de motociclistas. A pressão sobre hospitais nordestinos aumentou e há registros de unidades operando com mais da metade dos leitos ocupados por vítimas de motocicleta.

Diante disso, o Ipea destaca que o Nordeste deveria ser prioridade em políticas de segurança viária e mobilidade.

Mototáxi

O Nordeste também é líder na presença de serviços de mototáxi. Segundo o levantamento do IBGE citado na Nota Técnica, 78,7% dos municípios nordestinos já tinham mototáxi estruturado em 2020, o maior percentual do país. Em muitos desses municípios, ele é o único meio de transporte disponível de forma frequente.

Esse fenômeno acelerou a inserção de jovens de baixa renda em atividades de risco. A maioria das vítimas de sinistros envolve homens, pardos, com baixa escolaridade e entre 20 e 39 anos, justamente o perfil predominante entre trabalhadores motociclistas na região. O uso intensivo das motos como instrumento de trabalho potencializa ainda mais a exposição, segundo o levantamento.

Municípios médios do Nordeste concentram as maiores taxas do serviço, chegando a índices superiores a 70%. Nas cidades com mais de 500 mil habitantes, a presença do mototáxi é forte sobretudo nas periferias.

A combinação de moto como transporte cotidiano, como ferramenta profissional e expansão do mototáxi cria um ciclo de vulnerabilidade que impacta a saúde pública, as famílias e a economia regional. O Ipea destaca que, proporcionalmente, a mortalidade no Nordeste se assemelha a padrões encontrados em países com infraestrutura precária e fiscalização limitada.

Brasil

Embora o Nordeste seja o centro da crise de segurança viária envolvendo motocicletas, o avanço do modal ocorre em todas as regiões do país.

No Norte, a participação das motos na frota é igualmente elevada, com estados como Acre, Pará e Rondônia superando 50% de participação. A mortalidade por motocicletas segue trajetória semelhante à nordestina, impulsionada pela baixa oferta de transporte público e longas distâncias entre áreas urbanas e rurais.

No Centro-Oeste, a expansão foi intensa ao longo das últimas décadas, mas a mortalidade, embora alta, é um pouco menor que a nordestina devido à infraestrutura mais robusta em cidades maiores. Ainda assim, a região registra índices preocupantes, especialmente nas áreas urbanas periféricas e regiões produtoras agrícolas onde a moto é veículo essencial.

No Sudeste, apesar de um crescimento da frota, a mortalidade proporcional é menor, reflexo de uma melhor infraestrutura, maior oferta de transporte público e fiscalização mais intensa. Ainda assim, estados como Minas Gerais e Espírito Santo exibem taxas elevadas, principalmente em municípios pequenos.

O Sul é a região com menor participação de mototáxi (16,8%) e com algumas das menores taxas de mortalidade por moto, mas ainda longe de padrões considerados seguros internacionalmente. O uso da moto como ferramenta profissional, no entanto, cresce com aplicativos de entrega.