O trabalho que dignifica e reeduca
Instituto Travessia atua há 17 anos trabalhando com reeducandas do sistema prisional do Grande Recife —- nova chance por meio de um emprego durante cumprimento de pena
“Um acesso mínimo para um caminho de dignidade”, é assim que o trabalho do Instituto Travessia é descrito por Armando Jr., de 52 anos, fundador e presidente do projeto, que há 17 anos auxiliou o processo de ressocialização e empregabilidade de cerca de oito mil egressos do sistema prisional do Estado.
A principal vertente da organização é o Projeto Recosturando o Futuro, uma fábrica de produção de artigos têxteis, cujo corpo de funcionários é composto majoritariamente por reeducandas das Colônias Prisionais Femininas de Recife, na Zona Oeste da Capital, e de Abreu e Lima, no Grande Recife. As peças produzidas são de moda, cama, mesa, fardamentos e hospitalares descartáveis, dentre outros – em média 50 mil por dia, segundo a organização.
A organização começou em 2008, mas só em 2010 tomou a forma que tem hoje, com um curso de capacitação que ministrado dentro da Colônia Prisional Feminina Bom Pastor, conta Armando.
“Eu queria tentar algo novo, e soube do projeto de costura dentro da (Penitenciária) Bom Pastor. Fiquei com essa ideia e fui lá. Encontrei com a diretora do presídio, que me mostrou três máquinas de costura, o pessoal trabalhando. Perguntei como funcionava e ela falou que tinha que reestruturar o lugar, ensinar as meninas, tinha que ter uma estrutura. Fiquei com isso na cabeça uns meses, e convenci um amigo a começar a fazer uma produção lá dentro. Começou com curso de capacitação e depois a gente colocou uma unidade produtiva. Dois anos depois a gente tinha 100 pessoas lá dentro do Bom Pastor trabalhando”, conta.
Outra dinâmica do Instituto é o Projeto Reconstruindo o Futuro, que qualifica, profissionaliza, emprega e reinsere no mercado de trabalho egressos do sistema prisional que estejam cumprindo pena nos regimes aberto e livramento condicional, nas mais diversas áreas e ocupações, como vendedor, estoquista, pedreiro, rasteleiro, encanador, eletricista, motorista, ajudante de obras dentre outras profissões.
Oportunidade
O projeto busca dar oportunidade para pessoas que não conseguem se reinserir com facilidade da sociedade e no mercado de trabalho, o que acaba por interferir diretamente na reincidência criminal, segundo o presidente do Travessia.
“Quem chega lá, chega atrás de arrumar um emprego. O problema é que ninguém quer dar emprego para essas pessoas. Eles são estigmatizados, é como se fosse um leproso na época que não tinha cura, ninguém quer chegar perto. E aí não tem jeito, a estatística do Estado é que quem progride de pena, 64% volta para o presídio. Das pessoas que
passaram por nós, a faixa de reincidência é de 1,5%”, argumenta.
O principal objetivo do Instituto, segundo Armando, é dar esse acesso de volta à sociedade, de maneira digna. Para ele, o trabalho é “um grãozinho de areia”, mas que faz a diferença na vida dessas pessoas.
“Nós apenas damos uma possibilidade de acesso mínimo para um caminho de dignidade. O ambiente e a falta de acesso é que leva às vezes as pessoas para um caminho e outras para outro. O meu objetivo é dar um acesso diferente, abrir uma janela para que uma pessoa consiga chegar num lugar que talvez ela não chegaria com esse mínimo que eu faço, que não é nada de mais. Eu só dou uma oportunidade de trabalho a uma pessoa. A gente faz um grãozinho de areia da praia, mas faz a alguma diferença”.
A motivação de Armando para seguir com os projetos é poder alcançar mais pessoas além das que trabalham diretamente com o Instituto, mudando também perspectivas de famílias.
“Temos uma visão de futuro para essas pessoas, que podem, além de ter trabalho, também ter o mínimo de possibilidade de que os filhos não sigam o mesmo caminho por conta do emprego. Hoje é o que a gente consegue fazer. A ideia é avançar com isso”, compartilha.