Com presença de Cannibal, detentos do Cotel inauguram projeto cultural: "acredito nas pessoas"
O cantor Cannibal, da banda Devotos, esteve presente na inauguração do projeto "Reescrevendo Novos Caminhos", nesta terça (11), no Centro de Observação e Triagem Criminológica Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife
O músico Cannibal, da banda Devotos, participou de um evento com detentos do Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife.
A atividade aconteceu nesta terça (11), e marcou a inauguração do projeto “Reescrevendo Novos Caminhos”, de promoção de contato cultural e literário entre os detentos e escritores de livros, com o objetivo de reduzir as penas.
Cannibal compartilhou com o grupo a trajetórias de vida dele e de que forma a leitura (e os livros) foram importantes nestas histórias.
O músico foi primeiro autor da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) a fazer parte da iniciativa, promovida pela editora em parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap-PE).
“Iniciar o projeto é uma satisfação muito grande, porque a Devotos é uma banda que nasceu para mudar o quadro social por meio da música. Quando você se propõe a fazer isso, não pode estar só em cima dos palcos. Esse é um lugar que tem a maioria pessoas do meu lugar, da periferia. A maioria de pessoas é negra, que não tem oportunidade que deveria ter. Falar para eles que mudar através da literatura também é possível, para mim é uma satisfação. Estou falando porque aconteceu comigo. Com a arte, consegui mudar muita coisa na minha vida e muita coisa positiva. Dá tempo de essas pessoas mudarem também. Dá tempo de elas de ressocializarem. Eu acredito nas pessoas”, disse Cannibal, em entrevista ao Diario.
Ele compartilhou sobre como foi produzir uma obra artística além da música, na literatura, com o livro “Música para o povo que não ouve”.
A gente que faz letra, a gente faz música, a gente é um poeta na história, mas nossas letras ficam sempre no meio daquele turbilhão de som, de instrumento. Então, trazer ela para fora daqueles instrumentos e colocar ela em um livro onde você pode ler e você pode interpretar da sua forma, aquilo que escrevi, isso para mim é primordial, valoroso. Era tudo que eu queria, fazer com que as pessoas lessem antes de ouvir”, acrescentou.
Reescrevendo novos caminhos
Marlon Henrique, de 28 anos, compartilhou dons musicais durante a roda de conversa com Cannibal. No Cotel há um ano de oito meses, ele conta que encontrou na arte uma forma de relatar a realidade que vive. Ele se emocionou ao conhecer o músico e compositor.
“Busco trazer a realidade que a gente vive na comunidade e também fazer a referência. Passar uma referência sobre o projeto que é muito importante. Queria agradecer ao Cannibal também por acreditar na nossa mudança. É um desafio, não é fácil, mas quando a gente tem pessoas que acreditam no que a gente pode fazer, muda a nossa autoestima para conseguir”, compartilhou.
A professora Érica Borba, de 40 anos, ensina há três anos em penitenciárias de todo o Estado. Ela conta a diferença que a educação pode promover para as pessoas privadas de liberdade (PLLs).
“É uma troca de conhecimentos ali dentro, aprendemos muito com eles. A gente deixa eles falarem, a gente percebe a vontade deles falarem e mostrar para o mundo que eles estão aqui, que eles existem, que eles estão enclausurados, mas eles querem melhorar, eles querem se transformar”, relata.
Sobre o projeto
O projeto busca destacar a literatura enquanto instrumento de desenvolvimento pessoal e de reintegração social para os detentos do sistema prisional do Estado.
Escritores estarão visitando as unidades para realizar rodas de conversas, trocas de experiências e doações de livros que serão trabalhados dentro do Programa de Remição de Pena pela leitura nas unidades prisionais. Além dos bate-papos com escritores, o projeto realizará ações como oficinas literárias, saraus e rodas de leituras.
Livros dos autores convidados publicados pela Cepe serão doados para que possam ser trabalhados dentro da metodologia do Programa de Remição pela Leitura – em que cada livro lido e resenhado pelos detentos reduz a pena em quatro dias.
“Estamos entrando com esse projeto agora nas unidades do sistema prisional. Isso também vai facilitar dentro dos presídios que os reeducandos, pessoas que estão cumprindo pena, usem esses livros para remição de tempo de pena e também para iniciar um processo de recuperação, de fato, para poderem se reintegrar na sociedade e ter chance de se recolocar na vida”, disse o Presidente da CEPE, João Freire.
Cotel
Segundo a SEAP, dos quatro mil detentos do Cotel, cerca de mil estão em remição de pena por trabalho, educação ou leitura. A unidade foi escolhida para iniciar o projeto. O Diretor do Centro, Ismar Júnior, explicou a importância de receber um projeto assim para uma ressocialização mais eficiente.
“No Cotel não havia esse olhar inicial, ou investimento com educação e trabalho, por ser uma unidade transitória. Foi feito o investimento, e agora passamos a ter a educação desde o início do encarceramento do preso, não só na execução de pena, e isso melhora a perspectiva futura do reingresso da sociedade. Também contribui na oxigenação, quanto menos tem educação e trabalho na detenção, mais tensa é a unidade. Com os pilares de educação, trabalho e família, ajuda muito no dia a dia. Percebemos a interação, o pessoal contribui diretamente com a manutenção da segurança da unidade”, explicou.