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A História do Brasil contada pelas coberturas das constituições publicada pelo Diário

O jornal em circulação mais antigo da América Latina cobriu seis, das sete, constituições da história do país; é o que mostra a retrospectiva dos 200 anos do Diario de Pernambuco

Por Carlos Lopes

Ulysses Guimarães assina o texto da Constituição Cidadã

O Diario de Pernambuco não conta apenas histórias, como qualquer outro jornal. Conta a História do Brasil. Nascido três anos após a Independência, ele atravessou todo o Império, do Primeiro ao Segundo Reinado, passando pelo Período de Regencial. Testemunhou a Proclamação da República, caminhou pelas tortas linhas da sua trajetória, da Velha à Nova.

A décima primeira reportagem retrospectiva dos 200 anos do jornal em circulação mais antigo da América Latina remonta a História do Brasil pela cobertura da promulgação e outorgação de seis (das sete) constituições do país.

A única Carta Magna não registrada nas páginas do Diario foi a de 1824. O Diario nasceu no ano seguinte, já sob o conjunto dos 179 artigos outorgados por Dom Pedro I, após a dissolução da Assembleia Constituinte. Por 65 anos, o maior tempo de duração de uma constituição na história, o Brasil conviveu com a figura do imperador acima dos outros poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Dois anos após a Proclamação da República, a promulgação da Constituição de 1891 foi impressa na capa do Diario de Pernambuco, que, tom editorial, saudava a nova carta, “em pontos pertinentes aos direitos políticos dos cidadãos foram respeitadas todas as mais liberaes conquistas da civilisação”. Mas pontuava preocupações relativas à automonia das unidades federativas da República.

A Velha República ruiu para entrada de Getúlio Vargas na história do Brasil, ou a Era Vargas, com a Revolução de 1930 e a deposição de Washington Luís da presidência. O Governo Provisório, no entanto, não correspondeu às expectativas e uma nova revolução, a Constitucionalista de 1932, pressionou para que fosse promulgada a Constituição de 1934.

“Satisfeita a maior aspiração do povo brasileiro com a promulgação do novo código politico e o reingresso do país na ordem jurídica”, publicou o Diario, no dia seguinte à promulgação, quando a mesma Assembleia Constituinte também elegeu Getúlio Vargas à presidência da República.

Mas a história mostrou que o prazo constitucionalista de Vargas era curto. Três anos depois, o Brasil ganharia uma nova constituição. Desta vez, não promulgada, outorgada. O Diario trouxe a manchete anunciando a Constituição de 1937, com apoio das forças militares e dissolução da Câmara e Senado. Coube ao ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, fazer o anúncio da implantação do Estado Novo.

Os anos de repressão e cerceamento da liberdade, enfim, passaram. O mesmo Gaspar Dutra, agora como presidente do país, recebeu a informação dos também presidentes da Câmara e do Senado: a Constituição de 1946 havia sido promulgada, restabelecendo o regime democrático.

Por apenas 18 anos. O golpe de 1964 traria o Brasil, mais uma vez, ao chumbo da ditadura. E ela precisava de uma nova carta para institucionalizar o governo militar e ampliar a concentração do poder. Desta necessidade surgiu a Constituição de 1967, incorporando os Atos Institucionais anteriores e adicionando os seguintes, assim como a Lei de Segurança Nacional.

Até que o então senador Ulysses Guimarães, conhecido como o Senhor das Diretas, então presidente da Assembleia Constituinte, ergueu a Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, fruto de uma longa caminhada em prol da redemocratização do país. O Diario também contou esta história.


As Constituições no Diario de Pernambuco

1891

A edição do Diario de Pernambuco do dia 25 de fevereiro de 1891 trouxe na primeira página a matéria anunciando a promulgação da segunda constituição nacional, nascida sob os ares frescos da recém-criada República.

“O Congresso Nacional acaba de concluir a parte mais se ia e importante da missão á que foi chamado. Está votada e já promulgada a Constituição Federal, estatuto regulador da Republica dos Estados Unidos do Brazil, lei fundamental da vida politica e social do grande e generoso povo brazileiro.”
Iniciava o texto, que seguiu em tom editorial até o final. A proclamação da República trazia a esperança de que o Brasil pudesse viver dias de desenvolvimento econômico e social, com autonomia política, e respeito às novas leis, em oposição ao centralismo imposto por Dom Pedro I.

“(...) foi precisamente aquella concentração de forças, que transformou o antigo Imperio n'uma especie de hydrocephalo, cujos membros rachiticos eram exhauridos em pró do cranco.”
O Diario de Pernambuco expôs criticamente as suas preocupações e temores, apresentou propostas de reformas, mas, antes de tudo, celebrou a passagem do Império para República, ratificada com a promulgação da nova constituição.

“E nós saudamos essa lei – a Constituição Federal – apezar dos seus defeitos, por que Ella ha de ser o iris do povo brazileiro depois que fôr reformada, como dissemos em começo, e desde já é a egide á que todos se podem acolher. confiantes no direitos por ella reconhecidos, protegidos pelas garantias que ella estatue.”

1934

“Satisfeita a maior aspiração do povo brasileiro com a promulgação do novo código politico e o reingresso do país na ordem jurídica, a Assembléa Constituinte acaba de eleger o sr. Getulio Vargas presidente da República”, anunciava o Diario de Pernambuco no topo da primeira página do dia 18 de julho de 1934.

Os primeiros anos do governo provisório de Getúlio Vargas desagradaram até os seus aliados, causando a Revolução Constitucionalista de 1932 e resultando na promulgação de uma nova carta magna.

No mesmo dia, a Assembleia Constituinte promulgou a Constituição e reelegeu, de forma indireta, Getúlio Vargas à presidência do Brasil, com ampla margem de votos sobre Borges de Medeiros.

“Somente as 17.40 terminaram os constituintes a assinatura e logo depois, todos de pé, a convite do presidente da casa, ouviam o ato de promulgação enquanto uma bateria comemorava o ato com uma salva de 21 tiros e soavam os sinos de todas as Igrejas. Ao terminar ato, que foi verdadeiramente emocionante, todas as estações de radio-difusão tocavam o Hino Nacional, que de pé foi ouvido por todos os presentes.”

1937

A primeira página do Diario de Pernambuco vinha com a manchete em duas linhas, com fonte em negrito, anunciando que o país viveria dias sombrios a partir daquele 11 de novembro: “Com apoio das forças armadas foi promulgada a nova constituição, sendo dissolvidos o Senado e Câmara”.

O prazo constitucional de Getúlio Vargas chegava ao fim e uma nova ditadura ganhava o nome de Estado Novo.

A edição trouxe o texto na íntegra da circular emitida pelo ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra, anunciando a promulgação da nova constituição.

“Percebendo as lacunas e defeitos do estatuto de 1934, inspirado nos princípios que collidem com a agitação mundial a que não podemos fugir, novos rumos são traçados ao nosso regimen democrático, melhor aparelhado para a continuidade federativa.”

A constituição ditatorial, baseada nos ideais fascistas, determinava que, além do fechamento do Senado e da Câmara Federal, os poderes executivos e legislativos estaduais também sofreriam intervenções

O Diario trouxe uma segunda capa com a manchete: “Decretada a intervenção federal em Pernambuco”. Na linha abaixo, “Nomeado o interventor federal em Pernambuco, o coronel Azambuja Villa Nova, comandante da Região”.

1946

Fazia menos de um ano que Getúlio Vargas havia sido deposto, culminando com o fim do Estado Novo, quando a quinta constituição brasileira foi promulgada.

“Grande o entusiasmo cívico nas galerias do Palácio Tiradentes”, titulava matéria na primeira página do Diario de Pernambuco na edição de 18 de setembro de 1946.

Em caixa alta, a linha fina completava: “A MULTIDÃO ASSOCIOU-SE AOS PARLAMENTARES NAS DEMONSTRAÇÕES DE REGOSIJO PELO REINGRESSO DO BRASIL AO REGIME DA LEGALIDADE”.

“(...) Eram exatamente 15.05. quando o sr. Melo Viana pronunciou as palavras da promulgação. A orquestra novamente irrompe os acordes do hino da independencia, e ás 15.07, o sr. Melo Viana assina a Constituição, seguindo-se os membros da Mesa.”

Durante a chamada nominal dos constituintes, o público presente na galeria da Câmara festejava os parlamentares que se opuseram à ditadura de Vargas. O contrário acontecia com os apoiadores do antigo regime.

“Tremenda vaia recebeu o Sr. Agamenon Magalhães”, relatou o texto da matéria, referindo-se ao interventor federal do estado de Pernambuco e ministro do Estado Novo em algumas pastas.

1967

“Precisamente às 15h55m da ontem, o Presidente do Congresso, Sr. Auro de Moura Andrade, declarou promulgada a nova Constituição do Brasil, na presença apenas de Ministros de Estado, membros do Corpo Diplomático, 300 pessoas nas galerias e menos de 100 dos 489 parlamentares que a votaram com o relógio parado na madrugada de domingo.”

Assim foi registrada, sem motivos para comemoração popular, a cerimônia que outorgou a Constituição de 1967. A sexta carta teve o objetivo de institucionalizar o governo militar, que havia tomado o comando do país com o golpe de 1964, e criar mecanismos de centralização do poder.

“A Carta, que entra em vigor no dia 15 de março, foi assinada pelos Presidentes do Congresso e da Câmara, Srs. Moura Andrade e Batista Ramos, e os Senadores Catete Pinheiro, Guido Mondim, Dinarte Mariz e Joaquim Parente (...).”

A nova carta incorporou os atos institucionais anteriores e sofreu alterações, no ano seguinte, com a decretação do AI-5 e pela Emenda Constitucional de 1969.

1988

A imagem de um senhor calvo, profundamente emocionado, de olhos marejantes, erguendo a nova constituição, marcou a promulgação da atual carta magna nacional.

“Ulisses Guimarães adverte: Traidor da Constituição é traidor da Pátria”, manchetou o Diario de Pernambuco na edição do dia 6 de outubro de 1988, trazendo trechos fortes do discurso do presidente da Constituinte.

"Divergir, sim. Descumprir, jamais, Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério".

Mais uma vez, o país deixava os anos sombrios da ditadura para trilhar o caminho de um regime democrático. “Declaro promulgado o documento da liberdade, da igualdade, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude a que se cumpra", disse o parlamentar.”