Mosteiro de São Bento de Olinda: um patrimônio que atravessa séculos de fé
O Mosteiro de São Bento, concluído em 1599, integra um dos mais expressivos conjuntos do barroco brasileiro
Erguido sobre as colinas de Olinda, o Mosteiro de São Bento é mais que um templo religioso: é um testemunho vivo da história do Brasil colonial e da formação cultural pernambucana. Fundado em 1586, o mosteiro atravessou incêndios, invasões, crises vocacionais, renascimentos e restaurações, mantendo-se como referência espiritual, arquitetônica e artística. Hoje, em processo de restauro iniciado em novembro de 2024, a Basílica Menor de São Bento prepara-se para um novo capítulo.
A chegada da Ordem Beneditina a Pernambuco está ligada à expansão ultramarina portuguesa e à lógica da Contra-Reforma, período em que a Igreja Católica intensificou esforços de catequese e evangelização nos territórios coloniais. “O mosteiro tem datação de 1586. Todas as ordens religiosas vieram com o consentimento da Coroa portuguesa”, explica a historiadora Vanessa Sial.
A escolha de Olinda não foi aleatória. A cidade era a sede da Capitania de Pernambuco, então uma das mais ricas e estratégicas do império, sustentada pela produção açucareira. Ali, o mosteiro assumiu funções que iam além da vida contemplativa: tornou-se centro de liturgia, educação e organização social. “Os mosteiros e conventos tinham papel articulador na vida colonial, eles eram referências”, acrescenta Sial.
O Mosteiro de São Bento, concluído em 1599, integra um dos mais expressivos conjuntos do barroco brasileiro. O interior da igreja é marcado por talhas douradas, retábulos e um altar-mor que. Em 2001, a obra foi desmontada e restaurada pela Fundação Joaquim Nabuco. No ano seguinte, viajou aos Estados Unidos, onde foi exibida no Museu Guggenheim de Nova Iorque, levando a arte sacra pernambucana a um dos palcos mais prestigiados do mundo.
No centro do altar, destacam-se as imagens de São Bento, São Gregório Magno e Santa Escolástica, símbolos da tradição monástica que ecoam o lema beneditino: ora et labora (rezar e trabalhar.
Acontecimentos
A trajetória do mosteiro também guarda capítulos de dor e resistência. Durante a invasão holandesa, em 1631, o templo foi atingido por um incêndio de grandes proporções. Reconstruído em 1640, tornou-se parte do processo de restauração cultural e religiosa após a expulsão dos invasores.
“Olinda sofreu muito com a tomada dos holandeses e, paulatinamente, entrou em decadência política e econômica. Mas o mosteiro manteve seu papel, seja como centro religioso, seja como marco da paisagem colonial”, lembra Vanessa Sial.
A presença beneditina também se fez sentir nas relações sociais e econômicas da época. O mosteiro chegou a possuir terras e engenhos, para no ciclo do açúcar. Mapas da época registram propriedades vinculadas à ordem, como o engenho de Massapê.
A vida monástica e a espiritualidade
Mais que edifício, o mosteiro foi e continua sendo espaço de contemplação, silêncio e oração. As celebrações com canto gregoriano marcaram gerações e, até hoje, atraem fiéis e turistas. “Mesmo sem compreender o latim, quem participa dessas missas experimenta uma imersão sensorial. É uma plenitude devocional que toca a todos, católicos ou não”, afirma Sial.
O cântico, aliado à arquitetura barroca, cria um ambiente em que fé e arte se encontram. “Cada detalhe dos ornamentos e pinturas tem significado. A contemplação faz parte da experiência espiritual, convidando o olhar a percorrer não apenas a arte, mas também a mensagem teológica”, complementa a historiadora.
A partir do século XIX, como em outros conventos do Brasil, o Mosteiro de São Bento enfrentou crises vocacionais e dificuldades de manutenção. Parte de seus espaços chegou a abrigar repartições públicas, biblioteca e até instituições de ensino.
Apesar da perda de protagonismo frente ao crescimento de Recife, Olinda reencontrou no patrimônio cultural e religioso a força de sua identidade. “A cidade renasce culturalmente no século XX, sobretudo no período pós-regime militar, como espaço de resistência e preservação”, recorda Vanessa Sial. O mosteiro, com sua imponência barroca, voltou a ser ponto de referência turística, devocional e artística.
Reconhecimento e título de Basílica
Em 1998, a Igreja do Mosteiro de São Bento foi elevada à dignidade de Basílica Menor pelo Papa João Paulo II. O título reconhece sua relevância histórica, espiritual e arquitetônica, aproximando-a de outros grandes templos do catolicismo mundial.
O futuro: restauro em andamento
Atualmente, o mosteiro atravessa uma nova etapa de sua história. Em novembro de 2024, teve início o processo de restauração da igreja, com previsão de conclusão entre maio e junho de 2026. Somente após essa etapa será iniciado o restauro do edifício monástico.
Segundo informações do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a obra busca recuperar elementos estruturais e artísticos, garantindo tanto a preservação quanto a segurança do espaço. A intervenção inclui o resgate de detalhes encobertos por camadas de tinta e a conservação de pinturas, talhas e forros originais.