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UFPE tem 1º curso de medicina para assentados da reforma agrária e provoca polêmica

O edital prevê a oferta de 80 vagas, sendo 40 de ampla concorrência e outras 40 destinadas a ações afirmativas (cotas)

Por Larissa Aguiar

UFPE Campus Sertão

O anúncio da abertura do primeiro curso de graduação em medicina do Brasil voltado para assentados da reforma agrária e comunidades quilombolas de Pernambuco gerou uma onda de debates. A iniciativa inédita é fruto da parceria entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

Com início previsto para 20 de outubro de 2025, as aulas serão ministradas no Centro Acadêmico do Agreste (CAA), em Caruaru, no Agreste, e já despertam entusiasmo entre movimentos sociais, ao mesmo tempo em que recebem críticas de entidades médicas e parlamentares.

O edital prevê a oferta de 80 vagas, sendo 40 de ampla concorrência e outras 40 destinadas a ações afirmativas (cotas). Podem concorrer assentados da reforma agrária, integrantes de famílias beneficiárias do Crédito Fundiário, educadores que atuam com comunidades rurais, acampados cadastrados pelo Incra e quilombolas.

As inscrições começaram no último dia 10 e seguiram até o último sábado (20). O processo seletivo inclui prova presencial e análise do histórico escolar do ensino médio, ambas de caráter eliminatório e classificatório. O resultado final será publicado no dia 16 de outubro, no site da universidade.

A iniciativa, segundo o Incra, responde a uma necessidade, já que é escasso o número de profissionais de saúde em áreas rurais e remotas, onde os indicadores de acesso a serviços básicos de saúde ainda estão abaixo da média nacional.

Críticas das entidades médicas

A proposta enfrenta resistência de entidades médicas de Pernambuco. O Conselho Regional de Medicina (Cremepe), o Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), a Associação Médica de Pernambuco (Ampe) e a Academia Pernambucana de Medicina (APM) divulgaram uma nota conjunta manifestando oposição ao modelo de seleção.

Para as instituições, a exclusividade do processo seletivo para beneficiários da reforma agrária, sem utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), contraria princípios constitucionais.

“O processo, tal como está posto, afronta os princípios da isonomia e do acesso universal, além de comprometer a credibilidade acadêmica e representar um precedente grave e perigoso para a educação médica no Brasil”, afirmam as entidades em nota.

Embora reconheçam a legitimidade das políticas afirmativas, os representantes argumentam que elas precisam ser aplicadas de maneira equilibrada e transparente, dentro de marcos legais já consolidados.

Alepe

O tema chegou também à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). O deputado Coronel Alberto Feitosa (PL) foi um dos mais duros críticos da medida. Em discurso, classificou o critério de ingresso como “arbitrário e de difícil fiscalização”.

“Como se define quem é integrante do MST? Essa entidade não tem sequer CNPJ. Essa indefinição abre espaço para fraudes e favorecimentos, além de insegurança jurídica. A qualquer momento, alguém pode recorrer ao Ministério Público Federal e o curso ser suspenso”, afirmou o parlamentar, que anunciou a intenção de ingressar com representação contra a iniciativa.

Feitosa foi acompanhado pelos deputados Pastor Cleiton Collins (PP) e Renato Antunes (PL), que também prometeram judicializar o processo. Para Collins, o edital representa “um abuso, uma tentativa de aparelhamento da esquerda”. Já Antunes classificou a medida como “escândalo travestido de política pública”, acusando a UFPE de romper com os princípios constitucionais.

Em contraponto, a deputada Dani Portela (PSOL) lembrou que o Pronera já oferece cursos de licenciatura e formação em agroecologia, sem gerar a mesma reação. “Quando mexe com Medicina, parece incomodar bastante uma parte da elite brasileira que não admite ver pobre na universidade”, observou.

O curso deve reunir estudantes de diferentes regiões do Estado, especialmente do Agreste e Sertão, onde se concentram assentamentos e comunidades rurais. A expectativa do Incra e da UFPE é que os futuros médicos atuem prioritariamente em áreas de difícil acesso, fortalecendo a atenção básica no Sistema Único de Saúde (SUS).