Conectar para transformar: o impacto do Coque Connecta no Recife
O próximo passo do projeto é ampliar sua atuação, com parcerias que possam garantir sustentabilidade a longo prazo
No coração do Coque, uma das comunidades mais conhecidas e estigmatizadas do Recife, nasceu um projeto que hoje representa esperança, educação e inovação social. O Coque Connecta surgiu em 2018 pelas mãos de Marcone Ribeiro, então com apenas 21 anos, e transformou sua própria história de superação em um movimento coletivo. Mais do que uma iniciativa comunitária, o projeto se tornou um espaço de oportunidades para jovens e mulheres que enfrentam, diariamente, as vulnerabilidades de um território marcado pela desigualdade.
A trajetória de Marcone é inseparável da do Coque. Ele cresceu em uma comunidade associada à violência e à precarização, realidade que se impôs em sua vida de forma brutal. Aos 7 anos, perdeu o pai, assassinado na mesma rua que hoje funciona o projeto. Ele lembra que um dia após sai para comprar pirulito e ainda viu no chão o sangue do seu pai, assassinado com 17 tiros. Pouco tempo depois, viu a mãe, Josenilda Silva, conhecida como Danda, enfrentar uma grave doença, que a obrigou a passar por longos períodos de internação.
“Eu tinha 9 anos e precisei amadurecer rápido. Trabalhava como ambulante, vendia coxinha, cachorro-quente, água no sinal. Era criança, mas já tinha a responsabilidade de sustentar minha família. Sempre me perguntava: ‘O que posso fazer para mudar isso?’. E a resposta foi a educação”, relembra Marcone.
Entre a luta diária e os estudos, ele encontrou inspiração em pequenas oportunidades. No ensino médio, foi selecionado para o Programa Ganhe o Mundo, tornando-se o primeiro aluno de sua escola a estudar fora do país. A experiência no Canadá lhe mostrou que os horizontes podiam ser mais amplos do que a realidade que conhecia. “Voltei com o propósito de que eu não seria o último a ter essa chance. Fiz um voto de compartilhar o que aprendi”, conta.
A semente do projeto
De volta ao Recife, Marcone começou a dar aulas de inglês voluntárias a jovens do Coque. O que começou como encontros informais logo se tornou o embrião do Coque Connecta. “Na primeira turma, tivemos 50 jovens inscrições, mas só poderia ensinar a 25. Em três meses, já tínhamos repercussão. Foi quando percebi que era mais do que uma atividade: era um projeto de vida”, explica.
O fortalecimento veio em 2018, quando ele foi selecionado para participar da Assembleia da Juventude da ONU, em Nova York. A experiência internacional deu visibilidade à iniciativa e reforçou sua convicção de que a educação era o caminho para transformar o território.
A pandemia da Covid-19, em 2020, foi um divisor de águas para o projeto. Além da educação, o Coque Connecta passou a atuar também na área social. “Arrecadamos alimentos, kits de higiene, instalamos pias comunitárias. Conseguimos atender cerca de 300 famílias. Foi um momento de muita necessidade, mas também de união da comunidade”, lembra Marcone.
Nesse período, sua mãe, Danda, assumiu a presidência do projeto. Ela que enfrentou a maternidade solo e as dificuldades impostas pela doença, tem o Coque Connecta como uma nova camada de acolhimento. “Eu sempre estive inserida dentro de causas sociais, porque sei o que é criar filhos sozinha, com todas as dificuldades. O projeto me deu essa oportunidade de transformar a vida de outras mulheres”, afirma.
Sob sua liderança, surgiu o Fuxiqueiras, voltado para geração de renda através do artesanato. Além de ensinar costura e bordado, a iniciativa promove trocas de experiências e fortalece os vínculos entre mulheres da comunidade.
Atualmente, o Coque Connecta funciona em sede própria, a instituição trabalha em eixos principais: educação e social, com aulas de inglês, reforço escolar, curso de artesanos, como fuxico, crochê, macramê, eles também fazem arrecadação de alimentos e ações de apoio comunitário. “Costumo dizer que famílias ricas têm negócios familiares. Nós temos um projeto social familiar. Esse é o nosso legado”, resume Marcone.
Hoje, cerca de 100 pessoas, entre jovens e mulheres, participam diretamente das atividades, com o apoio de voluntários, formada na maioria por moradores do próprio Coque.
Reconhecimento
A repercussão do projeto abriu novas portas para Marcone, que foi convidado para assumir a Secretaria de Juventude do Recife. “Marcone sempre teve essa vontade de mudar as coisas, de acreditar que era possível. Eu me sinto feliz de ver que ele transformou as dificuldades em esperança não só para ele, mas para muitos outros jovens”, emociona-se Danda.
O futuro do Coque Connecta
O próximo passo do projeto é ampliar sua atuação, com parcerias que possam garantir sustentabilidade a longo prazo. Entre os planos estão a criação de novos cursos, a expansão do Fuxiqueiras e a formação de mais jovens para oportunidades acadêmicas e profissionais fora do território.
“O futuro é continuar conectando o Coque com o mundo. A gente quer que os jovens daqui entendam que eles não são limitados pela realidade do bairro. Eles podem, o que quiserem. O Coque Connecta é essa ponte”, destaca Marcone.