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Violência sexual online contra crianças cresce em Pernambuco e enfrentamento falha na prevenção, diz diagnóstico

Meninas entre 15 e 17 anos são as principais vítimas de violência sexual online no Brasil, aponta levantamento do Governo Federal

Por Adelmo Lucena

Pesquisa mostra que 23% dos entrevistados sofreram algum tipo de violência sexual online em 2021 e 2023

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), lançou o resumo do projeto Diagnóstico da Violência Sexual Online - Crianças e Adolescentes, que aponta dificuldade de enfretamento a este crime por parte dos estados. Dados da Gerência Geral de Análise Criminal e Estatística (GGace) da Secretaria de Defesa Social (SDS) apontam um aumento de casos em Pernambuco este ano.

Os dados mais recentes levantados pelo Diario de Pernambuco apontam que, entre janeiro e agosto de 2025, foram registrados 20 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes em ambiente virtual, sendo três deles no Recife. No mesmo período de 2024, foram contabilizados 11 casos. As vítimas identificadas estavam na faixa etária de 8 e 17 anos.

Em nível nacional, o Disque 100 registrou, entre o segundo semestre de 2022 e o de 2023, 6.364 denúncias de violência sexual online contra crianças e adolescentes. A maioria foi feita por terceiros (93,9%) e apenas 6% pelas próprias vítimas. A pesquisa TIC Kids Online Brasil mostra que 23% dos entrevistados sofreram algum tipo de violência sexual online entre 2021 e 2023, sendo que 62,6% tinham de 15 a 17 anos. As meninas são as principais vítimas, enquanto os homens correspondem à maioria dos suspeitos.

Estados falham na prevenção

Em relação aos estados, o diagnóstico identificou apenas sete iniciativas regionais de combate a essa modalidade de violência, sendo quatro no Norte (Amazonas e Pará) e três em Pernambuco. Todas são voltadas à prevenção, como eventos e materiais informativos, sem ações estruturadas de apoio direto às vítimas ou responsabilização de autores.

No caso pernambucano, as iniciativas revelam esforços de mobilização e conscientização, mas ainda não contemplam serviços especializados de acolhimento ou reinserção social. A pesquisa combinou três eixos metodológicos, como revisão sistemática da literatura nacional e internacional produzida entre 2019 e 2023; análise documental de legislações e iniciativas, e entrevistas com especialistas e atores-chave.

Os resultados foram organizados em seis domínios centrais, como Políticas Públicas e Governança, Justiça Criminal, Priorização da Vítima, Responsabilidade da Sociedade, Responsabilidade do Mundo Corporativo e Atuação da Mídia e Comunicação. Cada um deles traz achados, análises, exemplos de boas práticas e recomendações para avançar no enfrentamento do fenômeno.

Foram identificadas 26 normas brasileiras relacionadas ao assunto, sendo 72% de natureza repressiva. Embora tenham sido mapeadas 16 iniciativas federais, não foram encontradas políticas estruturadas e visibilizadas nos estados e no Distrito Federal. Em comparação, países como Canadá e Filipinas já contam com legislações dedicadas e políticas públicas abrangentes que responsabilizam também provedores e plataformas digitais.

Na esfera da Justiça Criminal, o documento destaca que as respostas brasileiras seguem majoritariamente punitivas, mas sem avanços significativos em medidas preventivas, restaurativas ou de apoio às vítimas e seus familiares.

Também não há tipificação específica para crimes como sextorsão, sexting não consensual ou estupro virtual. Além disso, faltam protocolos legais que obriguem empresas de tecnologia a notificar autoridades ou remover conteúdos ilegais.

As 47 iniciativas nacionais identificadas no campo da Justiça ainda são dispersas, muitas de caráter pontual, e não há integração sólida entre polícias, Ministério Público, Judiciário e órgãos de assistência. Entre as recomendações do estudo estão a tipificação detalhada das diversas formas de violência sexual online, a criação de serviços especializados de atendimento às vítimas e familiares, a capacitação permanente de profissionais da rede de proteção, a indução de uma agenda nacional de pesquisa e a ampliação da cooperação internacional.

O documento também sugere incluir ministérios ligados à regulação e tecnologia nas comissões de governança e ampliar o orçamento público para sustentar políticas robustas de prevenção e enfrentamento.

O estudo foi coordenado pelo Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (OBIJUV/UFRN) e gerido pela Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC).

Políticas em Pernambuco

A Secretaria da Criança e da Juventude de Pernambuco (SCJ-PE) informou que vem atuando no fortalecimento da política estadual de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, com base no Plano Decenal 2025-2035, aprovado pelo CEDCA/PE após ampla participação social. O plano se estrutura em sete eixos, como prevenção, mobilização e formação, com foco também no combate à violência online.

Entre as ações, destacam-se campanhas permanentes de conscientização, programas de formação de profissionais como a Residência Intersetorial em Primeira Infância e o Primeira Infância Antirracista (PIA), em parceria com o UNICEF. O atendimento às vítimas é realizado de forma integrada pela Rede de Proteção, que reúne conselhos tutelares, CREAS, CRAS, sistema de Justiça, saúde e educação, em articulação intersetorial com diversas instituições do Sistema de Garantia de Direitos.

“A subnotificação e a invisibilidade são os principais desafios enfrentados pela no enfrentamento de violências como a sexual, por exemplo. Especialmente a que ocorre no ambiente intrafamiliar, é marcada por um alto índice de subnotificação. O silêncio imposto às vítimas e o fato de o agressor ser uma figura próxima dificultam a denúncia e a detecção dos casos”, destaca a pasta.

Já a SDS-PE destacou que a Polícia Civil de Pernambuco atua no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes por meio do Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA), com unidades em Recife, Jaboatão e Paulista.

Em 2024, o DPCA realizou cinco operações contra pornografia infantil e cumpriu cinco mandados de busca e apreensão; até agosto de 2025, foram mais duas operações, com quatro prisões em flagrante e quatro mandados de prisão.

Em 2023, foi criado o Núcleo de Inteligência do DPCA (NI-DPCA), que apoia investigações qualificadas em ambiente virtual e fortalece as provas nos inquéritos, ampliando a repressão a esse tipo de delito mesmo em municípios que não possuem delegacias especializadas.

O núcleo atua na identificação e combate à divulgação de material de abuso sexual, aliciamento e exploração de menores, além de monitorar ameaças contra escolas, em cooperação com o Ciberlab/MJSP e a Polícia Federal.