Pernambucano premiado mostra como enfrentar os desafios climáticos no semiárido
Para Thieres, o prêmio da Fundação Bunge não é apenas um marco pessoal, mas também coletivo. Representa o reconhecimento de um esforço contínuo para transformar ciência em oportunidade e resiliência para a população do semiárido
As mudanças climáticas já deixaram marcas profundas no semiárido brasileiro, mas também despertaram soluções vindas da ciência. Um dos nomes à frente desse esforço é o do pesquisador pernambucano Thieres George Freire da Silva, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e recém-contemplado com o Prêmio Fundação Bunge 2025, na categoria Vida e Obra, pelo tema “Gestão do risco climático na produção de alimentos”. A honraria, que chega aos 70 anos inspirada no Nobel, reconhece trajetórias de impacto para o desenvolvimento social, cultural e científico do Brasil.
Com mais de duas décadas dedicadas ao estudo da agrometeorologia, Thieres vem se debruçando sobre como tornar a agricultura do semiárido mais resistente à seca e às altas temperaturas, um desafio que vai muito além da academia. Para ele, os efeitos do aquecimento global já transformam o cotidiano de agricultores e pecuaristas da região.
Segundo o pesquisador, o semiárido tem experimentado mudanças drásticas: temperaturas cada vez mais altas, chuvas escassas e irregulares e, ao mesmo tempo, episódios mais intensos de precipitação em curtos períodos. “Tem chovido menos, mas em eventos concentrados, o que aumenta o déficit hídrico e dificulta a produção de alimentos”, explica. Esse cenário afeta culturas de grande importância, como o milho e o feijão, base da alimentação humana e animal, mas também a fruticultura. Ele cita a videira, que perde energia para dissipar calor em excesso, e a mangueira, cuja floração é prejudicada pelas ondas de calor e pelas chuvas mal distribuídas.
Frente a esses desafios, Thieres destaca que os avanços científicos têm apontado para a adoção de sistemas de produção inteligentes e resilientes. Esses modelos combinam informações meteorológicas e climatológicas com práticas de manejo, uso de culturas adaptadas, consórcios de plantio e técnicas como a cobertura morta e a irrigação orientada por dados. “Quando aplicadas em conjunto, essas estratégias aumentam a capacidade de resistência da agricultura às condições extremas do semiárido”, afirma.
Entre os exemplos de espécies adaptadas, uma ocupa lugar de destaque: a palma forrageira, cactácea capaz de acumular água em seus tecidos e resistir a longos períodos de estiagem. Thieres coordena ações voltadas para a cultura dentro do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) e reforça seu papel estratégico. “Ela sozinha não resolve os problemas da pecuária, mas, quando combinada a outras culturas e manejos, torna-se fundamental para alimentar o rebanho em períodos críticos. A palma precisa ser ofertada junto a outros alimentos armazenados na época chuvosa. É essa combinação que garante sustentabilidade ao sistema produtivo”, detalha.
Ferramenta essencial para reduzir perdas, o ZARC é baseado em modelagem agrometeorológica, bancos de dados de solo e clima e informações sobre o desenvolvimento das culturas. A partir desses elementos, indica os períodos de menor risco para o plantio em cada região do país. Mais do que orientar produtores, o sistema embasa políticas públicas, como o Seguro Rural e linhas de financiamento. “É uma tecnologia que protege o agricultor e também garante segurança às instituições financeiras, mas precisa estar associada a práticas de produção mais inteligentes para que cumpra seu papel de forma efetiva”, avalia o pesquisador.
O futuro da agricultura no semiárido
Questionado sobre os próximos desafios, Thieres pondera que o futuro da agricultura no semiárido dependerá da capacidade de ampliar o que já foi conquistado e desenvolver novas soluções. Entre as prioridades, estão identificar cultivares mais resistentes, aprofundar tecnologias que melhorem a retenção de água no solo e expandir sistemas de monitoramento climático em tempo real. “Precisamos produzir mais com menos água. Isso significa investir em práticas e tecnologias que permitam maior eficiência no uso dos recursos naturais”, resume.
Para Thieres, o prêmio da Fundação Bunge não é apenas um marco pessoal, mas também coletivo. Representa o reconhecimento de um esforço contínuo para transformar ciência em oportunidade e resiliência para a população do semiárido. “O que me deixa mais feliz é que nunca busquei esse reconhecimento como objetivo. Ele é fruto de tudo o que foi construído ao longo desses anos, com pesquisa, ensino e extensão. É um incentivo para continuar”, afirma.