De Dancin’ Days a Pantanal: no Grande Recife, comunidades levam nome de novelas famosas
Moradores contam como surgiram estas comunidades e as dificuldades da vida real que ainda enfrentam
Vinda fugida dos pais, que viviam no município de Panelas, no Agreste de Pernambuco, a aposentada Natália Regina da Silva, de 73 anos, tem uma história de vida digna de uma novela. Hoje, ela reside na Rua Dancin’ Days, na comunidade de mesmo nome, na Imbiribeira, Zona Sul do Recife, onde mantém um comércio de água junto com os dois filhos. Por coincidência, Natália vive em um local que leva o nome de uma das novelas mais famosas do país, mas ela não é a única nessa situação.
O Recife conta com diversas comunidades batizadas com nomes de telenovelas exibidas na época em que os moradores ocupavam áreas ainda sem infraestrutura adequada e, muitas vezes, sem sequer uma identidade que pudessem chamar de lar. Quando Natália chegou a Dancin’ Days, a comunidade ainda não tinha esse nome e era, em sua maior parte, formada por mangue.
“Eu moro aqui há 42 anos e, quando cheguei, se chamava Imbiribeira mesmo. Havia problemas de endereço e dificuldade para receber encomendas. Na época, aqui era só mangue, não tinha calçamento e nem passava carro. Depois de um tempo, o local recebeu o nome de Dancin’ Days, por conta da novela da época. Nós, da comunidade, assistimos a essa novela, mesmo com a precariedade da televisão naquele tempo”, relatou a moradora, enquanto acompanhava o movimento da rua e o trabalho dos filhos, que transportavam garrafões de água.
Apesar de levar o nome de uma novela, Dancin’ Days está longe de ser uma história escrita por Gilberto Braga. Na trama, o autor retrata a vida de Júlia Matos, que, após cumprir 11 anos de prisão por atropelar e matar um homem, sai em liberdade condicional decidida a reconstruir sua vida e recuperar o amor da filha. A protagonista se casa com um milionário e viaja para a Europa.
Bem distante da vida de luxo vivida pela personagem de Gilberto Braga está a realidade dos moradores de Dancin’ Days, mas reúne residentes que se recusam a deixar o local mesmo diante de problemas. Um morador que se orgulha de viver ali e não deixa de lutar pela comunidade é o barbeiro Daniel Vicente, de 53 anos, que vive no local há mais de três décadas.
“Eu sempre lutei pela comunidade, porque só sabe da realidade quem vive aqui. Ainda temos ruas que não são calçadas e por onde nem carro consegue passar, porque está tudo esburacado. A situação é precária. Quem mora aqui fica por aqui mesmo, e por isso queremos que sejam feitas essas melhorias”, afirma.
Outras comunidades do Grande Recife também carregam nomes conhecidos por milhões de brasileiros por causa das novelas: Roque Santeiro, Roda de Fogo, Marrom Glacê, Dancing Days, Terra Nostra, Chega Mais e Pantanal, estas duas últimas localizadas em Paulista. Apesar dos títulos que remetem a glamour, drama e cenários elaborados, o cotidiano local é marcado por problemas mais concretos, que batem à porta dos moradores.
Parte dessas áreas enfrenta dificuldades históricas relacionadas a saneamento básico, por exemplo. No Recife, apenas 30,8% da população tem coleta e tratamento de esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil.
Entre as localidades citadas, Roda de Fogo, nos Torrões, Zona Oeste do Recife, é uma das mais conhecidas. Criada a partir de uma ocupação em 1987, abriga centenas de famílias. O local conta com escolas, transporte público e postos de saúde, mas enfrenta problemas como insegurança e saneamento incompleto.
Outro ponto que chama atenção pelo nome é Terra Nostra, localizada no Ibura de Baixo, Zona Sul da capital. No bairro, todos sabem indicar onde fica a comunidade, movimentada mesmo durante a noite, com vizinhos sentados em frente às casas conversando.
“Moro aqui há mais de 10 anos e vim para cá pela necessidade de ter um lar, porque morar com meus pais não era mais viável. Eu já era casado e tinha filhos, então precisava de um lugar. Desde que cheguei, a principal mudança foi a pavimentação da rua, realizada pela prefeitura, que coleta o lixo todos os dias. Aqui não tenho problemas e vivo tranquilo. Todo mundo sabe onde fica Terra Nostra, e até carro de aplicativo entra aqui”, relata Agnaldo Francisco, de 52 anos.
Já a comunidade Roque Santeiro, nos Coelhos, área central da capital, era formada por palafitas, e os moradores foram realocados pela prefeitura para o Habitacional Sérgio Loreto, no bairro de São José, em 2023.
No terreno onde antes ficava a comunidade, a prefeitura está construindo um Parque Linear na área antes ocupada por palafitas e outras habitações precárias. O projeto arquitetônico e urbanístico tem como diretriz principal a requalificação da borda d’água do Rio Capibaribe entre os bairros da Ilha do Leite e Coelhos.
A comunidade Chega Mais, no bairro Nossa Senhora da Conceição, em Paulista, também vem recebendo ações da gestão municipal. Na última semana, foi realizado um mutirão de saúde na Unidade de Saúde da Família Maria Aparecida de Melo Azevedo.
Na novela que dá nome à comunidade, a história gira em torno de Gelly e Tom, um casal que vive em constante conflito, incapaz de viver um sem o outro. No dia do casamento, Tom é “sequestrado”, uma armação planejada por ele para extorquir a família de Gelly, que estava em ruínas financeiras.
Ambientada no Rio de Janeiro, a produção apresenta personagens multifacetados e sem vilões evidentes, o que lhe rendeu o apelido de “antinovela”.