° / °
Cadernos Blogs Colunas Rádios Serviços Portais

Patrimônio Histórico e Cultural: a história do Sítio de Pai Adão

149 anos depois o maior desafio, segundo Manoel Papai, é manter viva a essência nagô diante das mudanças no mundo e da influência de outras práticas

Por Larissa Aguiar

babalorixa manoel papai no sítio de pai adão

No bairro de Água Fria, no Recife, pulsa uma das mais antigas e respeitadas expressões da religiosidade afro-brasileira: o Sítio de Pai Adão. Fundado oficialmente em 1875, treze anos antes da abolição da escravatura, o espaço é a primeira casa de Candomblé em Pernambuco e permanece, até hoje, fiel à tradição Nagô-Egbá. Mais do que um terreiro, o sítio é símbolo de resistência cultural, preservação da memória e fortalecimento da identidade negra no estado.

A história começa com Inês Joaquina da Costa, africana que desembarcou na Bahia em 1870. Pouco depois, veio para Pernambuco, onde recebeu da mesma patroa a propriedade que hoje abriga o terreiro. Ialorixá de origem, Inês trouxe na bagagem a fé e os fundamentos do culto a Iemanjá Okunté, seu orixá de cabeça. Ao seu lado, estava João Tolu, companheiro de vida, com quem iniciou o primeiro terreiro nagô puro do estado.

“Antes dela, havia locais de reunião de negros, mas não existia um terreiro estruturado”, explica o babalorixá Manoel Papai, atual líder espiritual do sítio. “O culto implantado por Inês foi Nagô-Egbá puro. Até hoje, esta é a única casa em Pernambuco que não mudou de linhagem.”

Entre os filhos de santo criados por Inês, destacou-se Felipe Sabino da Costa, que ganharia o nome de Pai Adão e se tornaria um dos mais respeitados líderes religiosos de sua época. Pai Adão expandiu a importância do terreiro, consolidando a tradição e atraindo devotos e estudiosos. Sua influência foi tamanha que, segundo registro publicado no Diário de Pernambuco em 28 de abril de 1836, o escritor Gilberto Freyre afirmou: “Nem padre, nem pastor, nem polícia, nem político mereceram tanto respeito da sociedade como mereceu Pai Adão.”


Herança viva
Hoje, o Sítio de Pai Adão conta com cinco terreiros originados diretamente da família do patriarca, todos independentes, mas ligados espiritualmente à casa-mãe. Ao todo, são 53 descendentes, 20 deles residem no sítio. “Eu sou o mais velho da família; o mais novo tem 1 ano”, conta Manoel Papai, que assumiu a liderança após a morte do tio, Malaquias, em 1978.

 

O babalorixá nasceu em uma nação Xambá, mas cresceu imerso na tradição Nagô. Sua trajetória, porém, não foi linear: trabalhou como repórter conciliando a comunicação com o auxílio nos rituais da casa. “Tive que escolher, e escolhi preservar essa herança”, relembra.

Resistência em tempos difíceis
O Sítio de Pai Adão atravessou períodos de perseguição religiosa. Durante a primeira metade do século XX, terreiros eram invadidos e objetos sagrados, apreendidos. A estratégia para preservar o acervo foi engenhosa: “Atrás da casa havia um pé de árvore com o tronco oco. Tudo que veio da África foi guardado dentro dele, para evitar que a polícia levasse”, conta.

Apesar das dificuldades, o terreiro manteve suas portas abertas e recebeu visitas ilustres, como Gilberto Freyre, pesquisadores estrangeiros e autoridades civis. Uma das diretrizes que ajudam a proteger a tradição é a preservação dos rituais: “Aqui não se canta outra língua além do iorubá. Não admito descaracterização. Nem mesmo fotos de orixás manifestados são permitidas sem autorização”, reforça Manoel Papai.

As festas seguem um calendário próprio, marcado por rituais de limpeza, oferendas e cânticos em iorubá. Uma das datas mais importantes é 24 de agosto, dedicada a Pai Adão, que em 2025 completará 150 anos da fundação do terreiro

Patrimônio reconhecido
O reconhecimento como patrimônio cultural foi recebido com cautela, mas hoje é motivo de orgulho. “No começo, tive medo. Achei que pudesse interferir no funcionamento. Depois entendi que era para preservar a história”, relata o babalorixá. “A sociedade respeita esta casa. Quando se fala no nome de Pai Adão, todos tiram o chapéu.”

O futuro da tradição
O maior desafio, segundo Manoel Papai, é manter viva a essência nagô diante das mudanças no mundo e da influência de outras práticas. Para as novas gerações, o recado é claro: “Nunca abandonem seu terreiro, seu orixá e sua família de santo. Respeite Deus acima de tudo e os orixás. Cultue, ame e preserve sua religião. É fundamental ter um lado espiritual para lhe proteger e ajudar a viver.”

 Em novembro Manoel Papai, cria expectativas de a tradição esteja mais via que nunca na comemoração dos 150 anos do sítio de Pai Adão.