Kahal Zur Israel, a primeira sinagoga das américas e o legado judaico em Pernambuco
No Recife Antigo, na Rua do Bom Jesus, pulsa viva a memória da primeira sinagoga das Américas. A Kahal Zur Israel, fundada em 1636, durante o domínio holandês sobre Pernambuco, atravessou séculos como símbolo de liberdade religiosa, diversidade cultural e resistência. Hoje, reconstituída como museu e centro cultural, ela segue revelando ao mundo a rica contribuição judaica na formação do Brasil. Mais do que um prédio histórico, a Kahal Zur Israel é um testemunho vivo de um tempo em que o Recife foi palco de um dos capítulos mais singulares da convivência inter-religiosa nas Américas.
A reconstituição da sinagoga é, por si só, uma história de redescoberta. De acordo com Boris Berenstein, presidente da Federação Israelita de Pernambuco, foi no final da década de 1990 que se unificou a ideia de restaurar o prédio identificado como sede da antiga sinagoga do século XVII. “Já havia registros históricos de que, durante o período holandês, existia uma sinagoga na Rua do Bom Jesus. A partir disso, com apoio da gestão do então prefeito Roberto Magalhães e do arquiteto José Luiz da Mota Menezes, o projeto começou a tomar forma”, lembra.
O imóvel foi desapropriado pela Prefeitura do Recife e cedido em comodato à Federação Israelita de Pernambuco, que assumiu o projeto com apoio da Fundação Safra, Banco Safra, Ministério da Cultura, Confederação Israelita do Brasil e outras instituições. As escavações arqueológicas realizadas após a cessão do imóvel revelaram um poço e uma “mikve” – tipo de piscina usada em rituais judaicos. “Um inventário da época da retomada portuguesa já relatava que uma das casas da Rua do Bom Jesus funcionava como sinagoga. A descoberta da mikve reforçou o que os documentos indicavam”, explica Boris.
A reabertura ao público ocorreu em outubro de 2001. Desde então, a Kahal Zur Israel se transformou em referência para estudiosos, turistas, escolas e lideranças de diferentes religiões. “Recebemos historiadores, estudantes, diplomatas, autoridades. A Rainha da Holanda esteve aqui. Também promovemos palestras, lançamentos de livros e encontros inter-religiosos”, diz Boris.
Jader Tachlitsky, que também integra a diretoria da Federação Israelita de Pernambuco, destaca o papel pedagógico do espaço. “A sinagoga é símbolo de um período raro de liberdade religiosa no Brasil colonial. Durante o domínio holandês, judeus podiam praticar sua fé abertamente. Com a retomada portuguesa, muitos foram exilados e parte deles embarcou para Nova York, fundando a primeira comunidade judaica dos EUA”, conta.
Outros judeus permaneceram no Brasil, ocultando sua fé. “Suas práticas foram passadas adiante em segredo, e muitas tradições se mantiveram no interior do Nordeste até os dias atuais”, completa Jader. A reconstrução da Kahal Zur Israel permitiu não apenas a valorização do patrimônio, mas também um reencontro com identidades muitas vezes apagadas. “A sinagoga ajuda a recontar a história do Brasil. Além de portugueses, indígenas e africanos, também havia judeus na formação do país. Muitos vieram como cristãos-novos e precisaram esconder sua fé. Hoje, vemos famílias redescobrindo suas raízes judaicas”, afirma Boris.