Como as redes sociais viraram palco das causas locais em Pernambuco
A tendência, é que as redes sociais se motivem cada vez mais como instrumentos de reivindicação popular
Se antes os moradores de um bairro precisavam organizar abaixo-assinados impressos, bater de porta em porta ou recorrer a associações comunitárias para reivindicar melhorias, hoje a mobilização ganhou um novo espaço: as redes sociais. De páginas que pedem mais segurança em áreas urbanas até perfis que lutam pela preservação ambiental no litoral, as redes sociais se transformaram em ferramentas centrais de articulação social. No Recife e Região Metropolitana, duas iniciativas simbolizam bem essa virada digital: o perfil Casa Forte Pede Paz, criado para denunciar a violência no tradicional bairro recifense, e o Salve Maria Farinha, voltado para a defesa ambiental da praia localizada em Paulista.
A tecnologia não apenas acelerou a forma de comunicar problemas locais, mas também ampliou o alcance. Hoje, em poucos minutos, um post pode viralizar e chegar a autoridades, órgãos públicos e veículos de imprensa. Segundo dados do IBGE (PNAD 2023), mais de 84% dos domicílios pernambucanos possuem acesso à internet, um índice que cresceu consideravelmente na última década. Esse cenário favoreceu o surgimento de páginas que atuam como “megafones digitais”, traduzindo a sensação de urgência da população em pautas públicas.
Um dos exemplos é o Casa Forte Pede Paz, página criada pelo advogado Inácio Feitosa. Morador do bairro, ele decidiu abrir o perfil em meio ao aumento de assaltos e episódios de violência registrados na Zona Norte do Recife. “A página foi criada por mim como um cidadão. Eu concentrei os depoimentos dos moradores, divulguei e passei a dar visibilidade ao que acontece em Casa Forte”, conta Feitosa.
Com postagens simples, sem grandes recursos tecnológicos, o perfil ganhou engajamento ao compartilhar relatos, alertas de ocorrências e dicas de segurança. A iniciativa surgiu em paralelo a um episódio simbólico: fiéis chegaram a faltar a missas na Paróquia de Casa Forte por medo de assaltos no entorno.
Hoje, a página funciona como um canal de atualização para os moradores, que enviam vídeos, fotos e relatos sobre o cotidiano de violência. Embora não substitua o papel das autoridades, serve como registro comunitário e forma de pressionar por soluções.
Já no litoral norte, a causa é ambiental. Criado em setembro de 2020, em plena pandemia, o perfil Salve Maria Farinha nasceu do incômodo de Fernando Macedo, 34 anos, com a poluição crescente da praia de Maria Farinha, em Paulista.
A percepção veio depois de uma cena emblemática: durante o desastre ambiental de 2019, quando óleo cru atingiu o litoral do Nordeste, ele notou que a quantidade de lixo plástico nas praias era ainda maior. “Era uma ironia. A gente retirava uma sacola de petróleo cru e, logo em seguida, encontrava caminhões de plástico na areia. Foi quando percebi que o problema era mais profundo: falta de saneamento, coleta irregular e ausência de políticas públicas”, relembra Fernando.
A partir daí, a página começou a publicar imagens impactantes de lixo acumulado, tartarugas mortas e denúncias de crimes ambientais. Aos poucos, ganhou engajamento ao conectar as questões ambientais com problemas cotidianos da comunidade, como a falta de coleta de lixo e saneamento básico. “As pessoas se mobilizam mais quando percebem que o lixo na praia é resultado do lixo acumulado na porta de casa”, explica.
A página hoje funciona como um canal de denúncia. Moradores enviam informações sobre descarte irregular, construções ilegais e até casos de segurança pública. O sonho, segundo Macedo, é estruturar uma sede para cursos, rodas de conversa e atividades educativas.
Essas experiências mostram que, além de dar voz aos moradores, as páginas acabam se tornando redes articuladas. O Salve Maria Farinha, por exemplo, integra hoje uma rede de mais de 40 páginas comunitárias de Paulista, que compartilham conteúdos e denúncias, ampliando o impacto das ações e oferecendo maior proteção aos administradores contra possíveis retaliações.
A tendência, é que as redes sociais se motivem cada vez mais como instrumentos de reivindicação popular. A mobilização comunitária encontrou na internet o palco ideal para transformar preocupações locais em movimentos com potencial de mudança.