TJPE condena empresário por injúria racial a médico que usava boné do PT durante GP de Fórmula 1
Segundo o médico José Paulo dos Santos, o empresário Rodrigo Martinez de Carvalho o chamou de "negro de merda", "vagabundo" e "burro"
O empresário Rodrigo Martinez de Carvalho foi condenado pela Justiça de Pernambuco a indenizar o médico José Paulo dos Santos por crime de injúria racial durante o Grande Prêmio (GP) de São Paulo da Fórmula 1, em 2023. José Paulo usava um boné do Partido dos Trabalhadores (PT) quando foi abordado pelo empresário, que o teria chamado de "negro de merda", "vagabundo" e "burro". Rodrigo chegou a ser preso em flagrante na ocasião.
Em decisão de 7 de agosto deste ano, o juiz Eduardo José Loureiro Burichel, da 2ª Vara Cível de Ipojuca, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), determinou que Rodrigo indenize a vítima em R$ 40 mil por danos morais. "A ofensa racial atenta diretamente contra a dignidade da pessoa humana, direito fundamental tutelado pela Constituição Federal, causando humilhação e angústia que extrapolam o mero dissabor cotidiano", diz o magistrado na decisão.
José Paulo dos Santos é natural de Salvador, na Bahia, mas mora em Porto de Galinhas, em Ipojuca, Região Metropolitana do Recife (RMR) - devido a isso, o processo cível tramita em Pernambuco.
Segundo a petição inicial, ele estava no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, para acompanhar o Grande Prêmio de Fórmula 1 do Brasil em 2023.
"Na ocasião, o autor estava desacompanhado, trajando roupas simples, vestindo um boné vermelho, com uma estrela branca e a inscrição 'PT', aludindo ao 'Partido dos Trabalhadores'", apontam os advogados do médico na petição.
Segundo eles, José Paulo começou a sofrer ofensas sem qualquer motivação. Os advogados acrescentam que um bombeiro civil que estava no local ouviu o acusado repetir as ofensas. Na ocasião, foi registrado um boletim de ocorrência e Rodrigo foi preso em flagrante.
"O autor estava naquele local para se divertir e de repente é agredido verbalmente da forma mais cruel que possa existir", destacam.
Os advogados pediam uma indenização de R$ 100 mil, alegando que o réu possui casa própria no bairro do Morumbi, "um dos mais nobres da capital paulista". Eles mencionam também que o empresário recebe R$ 100 mil por mês em seu trabalho.
Defesa
Os advogados do empresário apresentaram contestação, alegando que os relatos do médico e das testemunhas são "dissonantes, conflituosos e contraditórios".
Segundo a versão dos defensores do empresário, ele estava com um grupo de amigos no camarote quando avistou o médico usando o boné do PT. Ele teria feito um comentário aos amigos sobre o boné, mas sem proferir palavras de cunho racista.
"São absolutamente inverossímeis tais afirmações de prática de ofensas, que em momento algum foram proferidas pelo defendente", afirma a defesa nos autos.
Sentença
Na sentença, o juiz Eduardo Burichel argumenta que a prova documental nos autos é robusta em demonstrar a versão do médico.
"Embora o réu tenha apresentado depoimentos de amigos que negam a ofensa racial, tais testemunhos devem ser valorados com a devida cautela, ante o evidente vínculo de amizade. Diante da prova firme e imparcial produzida pela testemunha Anderson da Silva Vieira [o bombeiro civil], a tese defensiva de que a ofensa foi meramente política não se sustenta", acrescenta.
O magistrado reconheceu que o empresário tem "alto padrão de vida". "Tal condição financeira elevada exige que o valor da indenização seja fixado em patamar significativo, a fim de que a sanção cumpra efetivamente sua função dissuasória, desestimulando a reiteração de condutas semelhantes", escreveu na decisão. Ele, entretanto, arbitrou uma indenização de R$ 40 mil por danos morais.
O advogado Julyo Sergio da Silva, que representa José Paulo, afirmou que, apesar do valor ser abaixo do solicitado, eles não devem recorrer. "O valor do dano em si vem como uma forma pedagógica para que o réu entenda que aquilo dali não pode ser externado", afirma ao Diario de Pernambuco.
Já o advogado Guilherme Batochio, um dos que representa Rodrigo Martinez, informou que será interposto recurso à decisão oportunamente. “Os fatos alegados não são verdadeiros. Chama atenção que, no caso, a decisão foi proferida sem que sequer uma única testemunha fosse ouvida, sendo certo que mais de 7 pessoas presenciaram os fatos. Como quer que seja, tudo isso será submetido à revisão da instância superior que, como se espera, deverá reformar a sentença”, declara.
Rodrigo Martinez também responde a uma ação na esfera penal pelo mesmo episódio no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). O processo está na fase de oitiva de testemunhas.