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Tormented Souls 2: Análise

‘Tormented Souls 2’ ganha em atmosfera quase perfeita, mas inconsistências fazem jogo ficar na sombra de predecessor

Por Antônio Gois

Tormented Souls 2

A atmosfera é uma das principais armas utilizadas pelos games de horror para transmitir sentimentos ao jogador. Seja medo, tensão, melancolia, desesperança ou qualquer outra sensação que deixe quem está do outro lado da tela desconfortável, a ambientação pode fazer qualquer história virar uma experiência arrepiante.

Desde ‘Alone in the Dark’ (1992) e o Resident Evil original, lá de 1996, games do gênero tentam trazer de volta a sensação de perigo que sentimos quando controlamos um personagem que precisa explorar um ambiente completamente hostil. As mansões retratadas nesses títulos são umas das maiores inspirações para o terror nos games e o método de trazer um survival horror que se passa majoritariamente em um espaço interno e confinado, cheio de perigos, é uma das fórmulas mais utilizadas na indústria.

Um dos games que tentou e conseguiu, da sua própria maneira, fazer isso, foi ‘Tormented Souls’, indie chileno de 2021 que se tornou um queridinho dos fãs do gênero, sendo considerado ‘cult’ por não ser tão conhecido no mainstream, mas manter uma notoriedade para os mais entendidos. Nele, somos encorajados a explorar um local assustador para salvar Anna, irmã da protagonista Caroline Walker, tudo isso sendo guiados por uma câmera semi-estática e uma ambientação ímpar.

Essas duas características estão presentes e melhoradas em ‘Tormented Souls 2’, mais novo lançamento da Dual Effect Studios. Nele, Caroline e Anna resolvem buscar ajuda em um convento, mas o lugar traz surpresas assustadoras quando elas descobrem que o culto que as perseguiu permanece ameaçador, sequestrando novamente a irmã da protagonista para tentar um novo sacrifício e trazer uma entidade maligna à vida.

‘TORMENTED SOULS 2’

Ainda fazendo questão de carregar a estética retrô e old school de games antigos - conhecidos atualmente como PS1-like - ‘Tormented Souls 2’ mantém a estética marcante e suficientemente original do primeiro game. Fora isso, sua principal característica, ser um jogo baseado em puzzles, faz com que ele ganhe uma dose alta de originalidade, já que equilibra bem essa questão com combate e atmosfera.

A ambientação se apresenta logo de cara, sendo, nesta sequência, a principal arma do jogo. Longe de ser apenas uma mansão excêntrica, a primeira fase - e boa parte do game - foca em uma mitologia cristã, trazendo elementos góticos e barrocos, o que já é de se esperar de um convento mergulhado em conservadorismo e puritanismo tradicional.

O game trabalha esses ambientes de forma exemplar, usando muito bem os elementos que compõem uma atmosfera. A trilha sonora é sempre desconcertante e tensa, trabalhando até quando ela não está presente por meio de efeitos sonoros ora estridentes e rápidos, ora graves e pesados. A iluminação opressora sabe quando revelar e quando esconder, reforçando o ambiente hostil e - por que não? - bizarro que nos ronda, já que o tempo todo somos intimidados por figuras medievais e estátuas cheias de pesar, que ganham uma nova camada de desconforto quando são trazidas na meia-luz amarelada do isqueiro que Catherine carrega.

Sempre enriquecendo a escolha da câmera semi-estática, o game melhora a direção das cenas, fazendo uso de movimentos que trazem o ar de mistério e, junto aos outros elementos, criam um apuro visual realmente invejável para outros jogos do gênero. Cenas em que a câmera nos acompanha de longe, reforçando o clima do ambiente, ou traz uma visão inclinada e pouco natural, nos lembram de forma discreta que algo ali não está certo.

Tormented Souls, desde seu primeiro jogo, imprime como poucos outros o ponto exato da atmosfera que busca: uma mistura perfeita de desesperança e medo, onde você se sente a presa do ambiente que o cerca. A atmosfera é sempre pesada e sombria, não deixando o jogador relaxar em nenhum minuto de exploração e trazendo arrepios e sustos certeiros e bem construídos, podendo fazer jogadores experientes no gênero se sentirem realmente desconfortáveis - vide o ambiente ‘museu de tortura’ no primeiro mapa, que me causou uma inquietação que não sentia há tempos.

E o game consegue fazer tudo isso sem depender da narrativa, que aqui é tratada mais como plano de fundo ainda. O enredo é pouco criativo, repetindo quase todos os temas do primeiro jogo, mas é compreensível que ele sirva apenas para ‘dar o tom’ do ambiente, já que em ‘TS2’ temos menos cutscenes e um foco ainda menor no objetivo, mas sim na jornada.

Para isso, temos um combate melhor desenvolvido neste segundo game. A variedade de armas ‘de fogo’ aumentou, assim como um melhor uso do combate corpo a corpo, que ganha na disponibilidade de armas de maior alcance. A nossa fiel atiradora de pregos ainda existe, ganhando reforços para melhorar sua performance. Além dela, temos disponível espingarda, canhão de mão, besta e outras opções que permitem que o jogador descubra a melhor forma de combater os inimigos, que divergem entre os já complicados do primeiro jogo com os simplesmente irritantes presentes aqui.

A frustração trazida por esses é acompanhada por alguns níveis que, infelizmente, atrapalham a experiência do jogo. Um em específico estabelece o ponto mais fraco e fora da curva aqui, alterando o modo de exploração com um level design que tenta ser claustrofóbico, mas não se sustenta, já que tem resoluções simples onde a dificuldade mesmo está na paciência de aguentar inimigos repetitivos e que afligem dano excessivo. Além disso, esse mapa em específico é desbalanceado em itens e munição, o que pode deixar o jogador gravemente desguarnecido para o grande embate da área, que também não é simples.

Os puzzles, de modo geral, permanecem trabalhosos, mas dotam de uma criatividade que é divertida aos olhos de quem joga. É perceptível o cuidado de quem os produziu, e isso não quer dizer que, às vezes, eles sejam frustrantes para quem busca a aventura, mas isso já são outros quinhentos. Com essa sequência, fica bem claro que não existe ‘Tormented Souls’ sem um pouco de estresse com os puzzles, o que pode ser contornado facilmente com o uso de walkthroughs, que deve ser indispensável para aqueles mais casuais que não querem passar horas e horas na busca de um item.
Além dos puzzles, outra característica do game que se reforça aqui é sua protagonista. Catherine Walker já merece um bom espaço entre as heroínas de horror, tanto pela sua presença e coragem dentro das histórias, quanto por seu visual marcante pelo combo inusitado e já pessoal de tapa olho e atiradora de pregos.

Dessa forma, a Dual Effects consegue criar uma sequência de respeito, que deve ser querida para os fãs de Tormented Souls. É uma pena que desbalanceamento e apostas que não se concretizam deixem o jogo aquém da experiência que poderia ser, mas é de se esperar que um estúdio independente de horror busque inovar e tentar trazer novidades a um título que já possui sua base de fãs, o que, é claro, só tem a fazer bem ao gênero.

Nota: 76

Plataforma jogada: PC
*Uma chave do jogo foi enviada pela Dual Effect para a produção desta análise.