"Sem democracia você não tem uma boa gestão", diz presidente do TCE-PE
Em entrevista ao Diario, o presidente do TCE-PE, Valdecir Pascoal faz um balanço da gestão, analisando relações políticas e o papel democrático do órgão
Encerrando a gestão com 22.123 processos julgados e uma atuação que rendeu uma economia de R$2,3 bilhões para os cofres públicos, o presidente do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) no biênio 2022–2025, Valdecir Pascoal, falou ao Diario de Pernambuco sobre os resultados concretos do período, a relação do órgão com a base governista e a oposição, o acompanhamento de obras estruturantes, a atuação preventiva, a avaliação de políticas públicas e os desafios que ficam para a próxima gestão.
Pascoal detalha ainda como o tribunal ampliou o uso de dados em tempo real, aprofundou o controle sobre áreas sensíveis, como previdência, segurança pública e incentivos fiscais e buscou reforçar o papel do TCE como instituição estratégica para o fortalecimento da democracia.
Relação com a política
Eu tenho encarado isso (acusações de favorecimento à oposição) com muita tranquilidade, porque essa é uma narrativa falsa. O tribunal, de alguma forma, desagrada todos os governos. Eu estou há 34 anos no Tribunal de Contas de Pernambuco. Passei por todos os governos que você imaginar nesses 34 anos. Sempre existe uma tensão natural. Sempre tem um lado dizendo que o tribunal está sendo muito duro e outro dizendo que não está sendo duro o suficiente. Isso é absolutamente normal.
Quando você vai para a evidência, para os dados concretos, não existe nenhum privilégio em relação a uma gestão ou outra, seja Prefeitura do Recife ou governo do estado. Os números são muito parecidos em matéria de atuação preventiva. A nossa postura sempre foi institucional. Nós somos um órgão técnico.
Democracia
O maior propósito dessa gestão foi demonstrar para a população como o Tribunal de Contas é importante não só para a boa gestão, mas para a democracia. Sem democracia, que é esse ar, esse oxigênio da vida civilizada, da vida institucional, você nem tem nem boa gestão, porque ninguém tá nem avaliando; não tem controle social, nem tem controle institucional como o nosso, porque você perde independência. A democracia não é perfeita, é cheia de defeito, mas não tem nada melhor. Não inventaram nada melhor.
Previdência
A questão previdenciária é um dos maiores desafios do Brasil, tanto do ponto de vista fiscal quanto social. Tem que fazer alguma coisa, porque é uma bomba fiscal que pode estourar no futuro e comprometer o pagamento dos aposentados. Ela impacta diretamente a vida das pessoas, dos aposentados e pensionistas.
Em Pernambuco, há uns 15 a 20 anos, os municípios optaram por ter regime próprio de previdência.
Muitos estados ficaram no regime geral e acertaram. Porque se, em tese, é bacana, do ponto de vista federativo, você ter um regime próprio, a autonomia do município estar com seu regime previdenciário; na prática, o que a história mostrou é que os municípios não estavam tão preparados para gerir essa autonomia que lhe foi confiada.
Tanto que esse indicador (IGM-PREV) mostra situações bem difíceis (nos municípios), analisa vários eixos da questão previdenciária, como a questão das parceiras de contribuições, o cálculo atuarial, a gestão dos investimentos. O caso do Banco Master, tem um caso de um município de Pernambuco que fez investimento que está sendo objeto de uma auditoria.
Então o tribunal jogou luz na questão previdenciária e isso vai ajudar o gestor a escolher melhor o caminho. Vamos voltar para o regime geral ou vão ter que fazer aportes ou esperar e lutar por uma reforma previdenciária nova.
Economia para os cofres públicos
Uma coisa que eu destacaria nessa gestão, é a atuação preventiva. Só nesses dois anos, essa atuação resultou numa economia de aproximadamente R$ 2,4 bilhões, sobretudo na análise de folhas de pagamento de estados e municípios e na análise prévia de editais de licitação.
Todo edital relevante que é divulgado, o tribunal seleciona para analisar. Porque todo edital de licitação, toda contratação, tem que ter um orçamento de referência. Então, tem que ter uma análise de mercado para ver se os valores estão acima. Aí gera um relatório dizendo: ‘É um potencial aqui de um sobrepreço’. Manda para o gestor para ele prestar esclarecimento ou justificar ou corrigir. Nessa análise resultou uma boa parte dessa economia de R$ 2,4 bilhões.
Obras paralisadas
O diagnóstico de obras paralisadas envolve tanto obras estaduais quanto municipais. Ele mostra um retrato amplo do estado. Algumas obras saíram dessa condição, outras entraram. Isso é dinâmico.
As principais causas de paralisação das obras continuam sendo a falta de planejamento e de projeto. O Brasil perdeu, nos últimos anos, capacidade técnica de planejar obras e serviços de engenharia. Muitas vezes a obra começa sem um projeto executivo bem feito, e isso cobra um preço lá na frente.
Diálogo com políticas públicas
Os tribunais de contas têm uma tradição histórica desde a sua origem de focar muito legalidade, formalidade, como licitação, LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), contrato, contrato de pessoal, isso continua existindo e a gente tem dado também prioridade.
Só que tem um novo tribunal. Esse tribunal, ele dialoga com política pública, sem ser dono da política pública. Política pública quem escolhe é o gestor. Tem um orçamento, ele é gestor, ele tem um programa de governo, ele vai tentar implementar na educação, saúde, segurança, meio ambiente... Só que a Constituição Federal diz: ‘Tribunal, você tem o dever de olhar para a legalidade, mas tem o dever de olhar para a eficiência’. Eficiência é o quê? Resultado. É impacto.
(Analisar) Se fez (a política pública) de maneira econômica e se aquilo está mudando a vida do cidadão. O tribunal passa cada vez mais a avaliar essa política pública, tanto que os nossos departamentos de fiscalização, que antes era Departamento de Controle Municipal, Departamento de Controle Estadual, agora é Educação, Saúde... é o nome da política pública.
Quando o tribunal foca a análise da avaliação de política pública, que é a análise da eficiência do resultado, daquele gasto, é uma relação muito mais dialógica com o gestor.
Índices
Nós criamos o Índice de Compromisso com a Alfabetização, o ICA, para avaliar se os municípios estão cuidando do básico para que a criança aprenda a ler até os 7 anos. Alfabetização na idade certa. Então, nós focamos no combate ao analfabetismo.
Outro, que já falamos, é o índice de qualidade da previdência municipal. Outro ponto que o Tribunal jogou nessa linha de política pública é segurança pública. Um tema tabu, um tema que os tribunais normalmente não entravam, dada a complexidade.
Segurança não é só polícia. Envolve iluminação pública, programas sociais, educação, equipamentos comunitários. Publicamos, por dois anos seguidos, o ICGSeg, o Índice de Governança e Gestão em Segurança Pública. É uma análise do planejamento, do projeto que está em andamento, dos indicadores de policiamento ostensivo, da polícia civil, do planejamento, da aderência ao plano nacional. Em paralelo a isso, fazemos auditorias na parte, por exemplo, de presídios. A auditoria é mais profunda, (avalia) contratação, estrutura.
Funcionamento
(Atuamos) Sempre assim, fazendo um levantamento, um choque de transparência nos dados, criamos auditorias específicas naquilo que é mais neurálgico e cria o ensino através da Escola de Contas. Nessa parte de segurança, por exemplo, agora está tendo curso de segurança pública nos municípios.
Incentivos fiscais.
No Brasil todo, há uma dificuldade de jogar luz nesses números. O estado ou o município tem capacidade para arrecadar 100, deixa de arrecadar 20 para incentivar o setor privado a investir. Ou seja, é uma política pública que, em tese, é saudável, pode gerar emprego; pode ser melhor deixar de arrecadar e permitir que a iniciativa privada faça isso. Só precisa ter transparência e ver se o governo está avaliando essas renúncias periodicamente, avaliando custo-benefício.
Em Pernambuco, por exemplo, são R$ 8 bilhões que Pernambuco, por exemplo, deixa de arrecadar para incentivos, um número expressivo. Agora, o segundo momento, depois de jogar luz nesse dado, é ver se o governo está tendo estrutura para monitorar; avaliar se tem prazo determinado ou se está para o prazo indeterminado; se está valendo a pena, porque muitos desses projetos, certamente, podem ser revisados.
Processos
Esses levantamentos e o trabalho preventivo geram processos. Seja de ofício, a própria auditoria tem essa competência para pedir ou relatar uma abertura de auditorias; seja através de denúncias também, que a gente recebe muito também.
Por exemplo, na área de segurança tem duas auditorias na parte de presídios, analisando toda a estrutura do sistema prisional do estado. Mesma coisa na parte de festividades (o Painel de Festividades revelou R$ 3,2 bilhões em despesas entre 2022 e 2025 com festas como Carnaval, São João, padroeiras e fim de ano), tem vários processos analisando como foi (empregado o dinheiro).
Então, quando você olha a estatística de medidas cautelares nossa, a gente vê que aumentou, mas muito por causa da representação da denúncia externa, e não interna nossa. E ano eleitoral tende a aumentar.
Pós-julgamentos
Criamos um sistema de pós-julgamento, que será posto em prática em 2026, para monitorar o cumprimento das determinações do tribunal. Durou dois anos o estudo que ficou na coordenação da vice-presidência, sob a responsabilidade do conselheiro Carlos Neves, que vai ser o futuro presidente.
Quando a gente julga, por exemplo, determina que no prazo de seis meses se contrate ou desligue servidores. Esse sistema vai monitorar essas determinações, que têm força obrigatória. A gente vai ter tipo um processo de execução, como na justiça, justamente para dar efetividade. Caso não cumpra a determinação, tem sanção - a multa mais pesada que a gente tem, que supera R$ 100 mil no limite, é por descumprimento de determinação no tribunal.
Serviços estruturantes
O tribunal atuou todo o tempo na licitação do Arco Metropolitano, junto com os gestores, recomendando alterações sem cautelar, não houve nenhum travamento, e se tivesse motivo para suspender, teria suspendido. Fomos lidando com a gestão, concomitante ao processo licitatório, para poder sugerir aprimoramentos, sem nem processualizar.
A concessão da Compesa, o conselheiro Dirceu Rodolfo, junto com a equipe dele e a auditoria, mergulharam nisso para cumprir o prazo, para a gente não atrasar o cronograma e saiu também uma coisa muito bacana, sem nenhuma cautelar, até agora. Junto com o Arco, foram dois casos emblemáticos.
Pós-julgamentos
Criamos um sistema de pós-julgamento para monitorar o cumprimento das determinações do tribunal. Um painel, um sistema que permite monitorar sobretudo determinações. Quando a gente julga, o processo está irregular ou regular, aplica multa eventualmente, pode não aplicar, manda devolver algum dinheiro, manda para o Ministério Público se for gravíssimo, para efeitos penais. Esse sistema vai monitorar as determinações, vai ser um outro processo que vai ser gerado, como por exemplo na justiça. A gente vai ter tipo um processo de execução, justamente para dar efetividade ao controle.
Desafios da próxima gestão
A gente tem uma continuidade, na verdade. Cada um bota um tijolo com a sua característica. Essa inflexão do tribunal para a área de política pública vem de antes, a gente vai continuar e vai ser do próximo. Primeira infância vai ser prioridade, meio ambiente vai ser prioridade, segurança vai ser prioridade. Um desafio que eu colocaria para o conselheiro Carlos Neves é essa parte da do consensualismo - consensualismo é um movimento que é o seguinte: se puder resolver num acordo, resolve.