Os saldos da COP30 para Raquel Lyra e João Campos
Cientista político analisa a movimentação dos gestores na conferência e os impactos dos anúncios na disputa pelo protagonismo nas eleições de 2026
A participação da governadora Raquel Lyra (PSD) e do prefeito do Recife, João Campos (PSB), na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em Belém (PA), colocou o estado e a capital no debate climático internacional e, nos bastidores, reforçou a disputa pelo protagonismo político nas eleições de 2026. Ambos gestores retornaram com anúncios, parcerias e visibilidade, que podem se refletir no pleito estadual. Os ganhos e riscos para cada um, no entanto, seguem distintos, de acordo com a análise do cientista político Bhreno Vieira.
As participações no evento, com agendas movimentadas, foram registradas e compartilhadas por ambos nas redes sociais. Para o especialista, João se posiciona como gestor moderno, “conectado a redes internacionais e preparado para escalar essa agenda ao nível estadual”, enquanto Raquel teve a “oportunidade de reposicionar o governo, mostrando capacidade de liderar a transição energética e atrair investimentos para Pernambuco”.
“No saldo, os dois ganham holofote, mas João tira mais vantagem porque já opera com popularidade maior e narrativa consolidada”, avalia Vieira.
Ações da Prefeitura do Recife
De volta ao Recife, João Campos destacou ações concretas trazidas da COP30, como a instalação de um radar meteorológico de banda S, orçado em mais de R$ 30 milhões, “o mais moderno que existe no mundo”. Segundo o gestor, o equipamento só foi garantido com articulação direta junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
O prefeito também estabeleceu uma parceria inédita com o Ministério da Justiça para que a prefeitura passe a usar imagens de satélite da Polícia Federal, com atualização diária e cinco vezes mais precisão do que o sistema atual.
“Conseguimos trazer para cá toda a inteligência que a Polícia Federal usa na área de desmatamento”, disse Campos. A iniciativa deve reforçar o programa “Nenhum Verde a Menos” e ampliar a fiscalização de áreas verdes.
A lista de retornos inclui ainda reuniões bilaterais com BID, Google e Microsoft. Segundo João, “muita coisa boa” será anunciada nos próximos 60 dias, incluindo a participação da capital pernambucana no Fórum Mundial das Cidades, no Azerbaijão, apresentando as soluções urbanísticas feitas no Recife.
Em suas redes, João também destacou programas como o Promorar e a participação da delegação de jovens recifenses financiada pela Bloomberg Philanthropies, além de iniciativas de digitalização de compras públicas e inclusão produtiva via GO MEI.
Essa comunicação do gestor, de acordo com Vieira, fortalece a mensagem que João busca consolidar para 2026. “Ele se posiciona como gestor preparado para governar o estado ‘pensando clima e gente’”, analisa.
Ações do governo do estado
Do outro lado, a governadora Raquel Lyra seguiu o caminho do discurso de desenvolvimento econômico e atração de investimentos.
Em suas postagens, a gestora reforçou o papel de Pernambuco como polo da transição energética no Nordeste, destacando parcerias com empresas europeias como Maersk e European Energy, além do Complexo de Suape como vitrine da “nova economia”.
Ao lado da Rainha Mary Donaldson da Dinamarca, Raquel também lembrou que, em Copenhague, acordou a antecipação da segunda fase dos investimentos da Maersk: R$ 2,2 bilhões para o primeiro terminal de contêineres 100% eletrificado da América Latina.
Durante a COP30, a governadora também firmou parceria com o Instituto Clima e Sociedade e lançou o PErifaClima, iniciativa de R$ 2 milhões com foco em 20 territórios periféricos, com sensores meteorológicos solares, uso de drones e formação de agentes comunitários de monitoramento climático.
De volta a Pernambuco, Raquel reforçou seu discurso da COP30 sobre a urgência da transição energética, destacando o potencial nordestino.
“O mundo não aguenta mais aquecimento global. Essa necessidade de mudar a matriz energética coloca o Brasil numa rota de investimento, e coloca o Nordeste nessa rota. Mas eu não quero ser exportadora de energia, quero a nova indústria e a nova economia”, afirmou.
Para o cientista político Bhreno Vieira, Raquel “quer mostrar que mesmo estando à direita, também se preocupa com a pauta verde”. O especialista ressalta, contudo, que para consolidar essa narrativa a governadora “precisa entregar resultados concretos no presente, especialmente em segurança e saúde”.
Benefícios eleitorais da COP30
Apesar de tanto a governadora do estado, Raquel Lyra (PSD), quanto o prefeito do Recife, João Campos (PSB), se beneficiarem da visibilidade pela participação na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em Belém (PA), o caráter eleitoral é inevitável. Segundo cientista político Bhreno Vieira, a COP30 cria um ambiente de “cooperação obrigatória” entre o estado e a capital, mas o pano de fundo é competitivo: os dois disputam crédito político e a mesma faixa do eleitor “moderado”.
“João e Raquel estão disputando o eleitor médio, logo, quem melhor convencer o eleitorado preocupado com esse tema, tem mais chance de converter a visibilidade da COP30 em votos, tendo em vista que a disputa pelo governo será bastante competitiva”, explica Vieira.
Segundo o especialista, o risco, para ambos, é a agenda climática parecer “distante” dos problemas diários. Na avaliação de Vieira, no caso de João, o desgaste será imediato se houver novos eventos de chuvas fortes e a prefeitura não responder bem. Já para Raquel, ainda conforme o cientista político, o desafio é evitar críticas de quem fala sobre o futuro enquanto enfrenta dificuldades na gestão da segurança e da saúde.
“A COP30 reforça os dois como protagonistas quando conseguem mostrar resultados mas pode fragilizá-los se a participação soar desconectada dos problemas do dia a dia. No Recife e no estado, o eleitor quer solução para enchentes, segurança, saúde e emprego. Se o clima virar apenas agenda de foto e discurso, a vitrine pode virar crítica. E a participação não se converte em voto. Principalmente tendo em vista que a agenda do clima e meio ambiente não é enfatizada pelo eleitorado médio do estado”, analisa.
Vieira avalia que a COP30 não redefine a eleição de 2026, mas muda o tom do debate, trazendo elementos de modernização, inovação e protagonismo internacional, especialmente para públicos jovens e urbanos, mas ainda existindo limites. “As eleições em Pernambuco seguem ancoradas em performance em saúde, segurança, abastecimento de água e obras visíveis. Quem conseguir conectar clima e meio ambiente a esses temas e entregar programas e ações ganha o eleitorado. Quem ficar só na vitrine, não”, conclui.