‘A Próxima Democracia’ traz 32 teses para refundar o futuro da política
Já em pré-venda e com lançamento marcado para o próximo dia 16 de outubro, no Rec’n’Play, a obra de Silvio Meira e Rosário Pompéia diagnostica o esgotamento do modelo político
Em um cenário de democracias sob estresse ao redor do globo, onde as palavras parecem gastas e as bússolas políticas, quebradas, surge um livro que não se contenta em diagnosticar a crise, mas se propõe a desenhar um novo mapa para o futuro da política brasileira considerando o atual contexto das plataformas digitais. "A Próxima Democracia: 32 Teses para o Futuro da Política no Mundo Figital", da Editora Amarilys, não é um livro comum. É um manifesto, um manual de navegação e, acima de tudo, um chamado à ação.
Em entrevista exclusiva para o Diario de Pernambuco, os autores, o cientista e fundador de um dos maiores distritos de inovação da América Latina, Silvio Meira, e a jornalista, com especialização em ciência política e estrategista de marketing digital, Rosário Pompéia apresentam o detalhamento da obra, que também conta com um site, feito totalmente com Inteligência Artificial, onde será alimentado com o tema em questão.
Exaustão
Silvio Meira: A aspiração para fazermos este livro nasceu de uma constatação dura: o modelo de democracia que herdamos chegou a um ponto de exaustão. A "política como máquina", com suas engrenagens de partidos e parlamentos, projetada para a estabilidade do século 20, simplesmente travou. Ela não foi desenhada para operar no "mundo figital" em que vivemos, onde a realidade física, digital e social se fundiram e o poder é orquestrado por algoritmos. Insistir em usar o mapa antigo para navegar neste novo território é a receita para o fracasso. A nossa aspiração é oferecer um novo mapa, uma nova bússola.
Colapso
Rosário: O livro começa com um diagnóstico forte, listando 16 sinais de colapso na política. Entre eles, destacaria a "Personalização Extrema" (Sinal 1), onde o político é construído como uma "marca" individual, um produto de consumo, o que corrói o papel mediador dos partidos e fortalece tendências à democracia iliberal. E, como consequência direta, a "Comoditização do Cidadão" (Sinal 2), que é rebaixado à condição de "lead", um perfil de dados a ser segmentado e manipulado. Quando a política vira marketing de celebridades de um lado e engenharia comportamental do outro, a deliberação racional, que é a base da democracia, morre.
Novos princípios
Silvio: Em contraponto aos sinais do colapso na política, a gente propõe 16 novos princípios, organizados em quatro pilares. Um deles é a “Cidadania Tecnopolítica”. Significa que o cidadão é o soberano, mas, no ambiente figital, o exercício dessa soberania é constantemente ameaçado pela tecnologia. Este pilar foca em empoderar a cidadania para que ela possa agir. Na prática, isso se traduz em criar infraestruturas para "Participação Cidadã Amplificada", com consultas públicas amplas e transparência radical, e "Deliberação Digital com Poder Cidadão", usando modelos como a democracia líquida ou assembleias cidadãs online para que a inteligência coletiva possa de fato determinar decisões políticas. É sobre transformar o espectador em participante ativo.
As teses
Rosário: O coração do livro são as 32 teses. É um número forte, remete a outros manifestos históricos. O que essas teses representam? São um programa de governo? De forma alguma, mas elas podem servir de inspiração. Elas são a tentativa de articular as bases de um novo "código-fonte" para a vida em comum. Se os principios são a bússola, as teses são o mapa detalhado. Cada tese é uma hipótese-portal, um convite à reflexão e à experimentação. Elas articulam as transições fundamentais que precisamos fazer: da centralização para a rede, do espetáculo para a performance autêntica, da obediência cega para a desobediência ética.
Nova cidadania
Silvio: A Tese 22, por exemplo, fala em passar de uma 'Cidadania Antropocêntrica para uma Cidadania Expandida e Ecossistêmica'. O que isso significa? Estamos falando em dar direitos a rios e florestas. A premissa de que o humano é o único sujeito de direitos nos levou à beira do colapso ecossistêmico. A tese propõe expandir corajosamente o círculo da cidadania, reconhecendo que "não-humanos" não são apenas "recursos", mas agentes que reagem e condicionam nossa política. Já existem precedentes, como no Equador e na Colômbia, que conferiram personalidade jurídica a rios. Trata-se de criar instituições, como "parlamentos de biomas" ou "guardiões legais" de ecossistemas, que possam dar voz e representação a esses outros habitantes do planeta com os quais coabitamos.
Refundação da Democracia
Rosário: O livro menciona a trajetória particular da democracia na América Latina, descrita como 'intermitente' e 'cercada por golpes'. Essa nossa história de vulnerabilidade crônica torna a refundação que propomos de uma urgência imensa. Para nós, latino-americanos, a crise atual não é um debate acadêmico, é "memória viva". O passado autoritário não está distante, ele ronda as praças, os tribunais, os parlamentos e as redes sociais. Essa história nos tornou resilientes, capazes de renascer das cinzas, mas também cronicamente vulneráveis. Portanto, escrever sobre o futuro da democracia, aqui, é enfrentar diretamente essa sombra. A refundação é mais urgente porque a alternativa é um passado que conhecemos muito bem e ao qual não podemos nos dar ao luxo de retornar.
Transição
Silvio: Uma das transições mais fortes que propomos no livro é abandonar a metáfora da "política como máquina" para a "política como ecossistema vivo". Essa mudança de metáfora é crucial, porque a metáfora da máquina nos aprisiona. Ela nos faz pensar em hierarquias, controle e previsibilidade. Mas a sociedade em rede não é uma máquina, é um organismo complexo e adaptativo. Um ecossistema vivo, como propomos, tem sua saúde na diversidade, na resiliência e na capacidade de se regenerar. A liderança, nesse paradigma, não é a de um engenheiro que comanda, mas a de um jardineiro que cultiva as condições para que a vida floresça de forma emergente. É uma mudança fundamental na forma como pensamos o poder.
O AEIOU
Rosário: No livro, abordamos o 'Algoritmo da Democracia', o método AEIOU. Para muitos, a palavra 'algoritmo' soa técnica, até fria. Como um algoritmo pode, de fato, humanizar a democracia? O AEIOU não é um algoritmo de computador, é um processo para navegar a complexidade. Ele nos tira da armadilha do planejamento rígido e nos coloca no campo da experimentação responsável e do aprendizado contínuo. Ele nos força a começar pelo (A)mbiente, ou seja, pela escuta profunda das pessoas e comunidades. A construir uma (E)stratégia baseada em hipóteses testáveis. A cultivar (I)nterações baseadas em confiança. A entregar (O)perações que gerem valor real. E a buscar a (U)nificação em rede, não em silos. É um método que nos obriga a ser mais humanos, mais colaborativos. É o que permite a uma "grande rede de jazz" — a sociedade — improvisar de forma coerente, em vez de seguir a partitura de um único maestro.
Na prática
Silvio: Para um prefeito, um vereador, ou mesmo um líder comunitário que lê o livro e se sente inspirado, mas talvez intimidado pela escala da transformação, qual seria o primeiro passo prático? Ninguém começa construindo a floresta inteira. Começa-se plantando a primeira árvore. A transformação que propomos tem uma natureza "fractal", ou seja, os mesmos princípios podem ser aplicados em qualquer escala. O primeiro passo prático é escolher um problema local, concreto, e abordá-lo com a lógica do livro. Comece com a Tese 24, a "Política do Cotidiano". Em vez de um grande plano, mapeie as micropolíticas que já existem no seu bairro (Tese 9). Use o pilar (A)mbiente do AEIOU para ouvir de verdade as pessoas. Formule uma pequena (E)stratégia como hipótese. Crie (I)nterações de confiança. O segredo é iniciar um ciclo de aprendizado. Uma pequena vitória, um processo que funciona, gera a confiança e o conhecimento para o próximo passo.
Protagonismo
Silvio: Esperamos que nosso livro não seja apenas lido, mas que seja usado como uma ferramenta. Um framework para redesenhar a política. O Capítulo 4, "AEIOU – O Algoritmo da Democracia", é um guia operacional para transformar as teses em ação. Queremos que gestores, ativistas e cidadãos usem esse método para experimentar em suas próprias comunidades, para testar novas formas de colaboração e governança.
Rosário: Acima de tudo, esperamos que o livro funcione como um chamado. A refundação da democracia não virá por decreto. Ela já está brotando por baixo, nas redes de cuidado, nos laboratórios cívicos, no código aberto. O livro termina com uma pergunta dirigida a cada leitor: "O que você está cultivando hoje para que a próxima democracia possa nascer amanhã?". A nossa intenção é que o livro inspire as pessoas a se verem não como espectadoras, mas como protagonistas e cultivadoras desse futuro.