Anistia: perdoar ataques enfraquece a democracia
Cientista político ressalta que proposta traz de volta um "pacto de esquecimento" que nunca foi superado desde o perdão aos envolvidos na ditadura militar
Na semana seguinte à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e 3 meses de prisão por liderar a trama do golpe, ganhou força no Congresso Nacional a discussão pela anistia “ampla, geral e irrestrita” aos condenados pela trama golpista. Esse slogan se popularizou em 1979 e culminou na Lei da Anistia.
Assinada pelo presidente João Figueiredo em 28 de agosto de 1979, o decreto concedeu perdão aos “dois lados” da ditadura militar, abrindo caminho para a redemocratização após 15 anos do regime, que durou 21 anos no total. Em mensagem ao Congresso em junho do mesmo ano, Figueiredo defendeu a importância do projeto de anistia, destacando que, mesmo com as divergências existentes, as pessoas deveriam aceitar a necessidade de conviver democraticamente.
O historiador, doutor em História Política e cientista político, Alex Ribeiro, destaca que a anistia de 1979 foi apresentada como gesto de reconciliação, beneficiando tanto os que praticaram tortura e repressão, quanto os exilados e perseguidos durante a Ditadura Militar no Brasil, garantindo “silêncio sobre os crimes do Estado”.
Nas décadas seguintes, o Brasil avançou em direitos humanos e políticas de memória, mas o “pacto de esquecimento” nunca foi superado, segundo Ribeiro. Do ponto de vista histórico, para o especialista, a discussão de anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro revive esse dilema.
“Em uma democracia consolidada, perdoar ataques às instituições pode ser considerado como um enfraquecimento do próprio Estado de Direito”, aponta.
Para Ribeiro, ao contrário de 1979, o pedido de anistia atual não busca criar espaço para a redemocratização, mas ameaça enfraquecer a democracia já consolidada, ao tentar inocentar personagens que atacaram as instituições, seja civis e até de agentes públicos que provocaram os atos de 8 de janeiro.
“A impunidade também produz impactos sociais. Transmite a mensagem de que determinados crimes podem ser ignorados, abala a confiança da população nas instituições e compromete a estabilidade democrática”, destaca Ribeiro.
O especialista ainda destaca que a experiência histórica mostra que repetir práticas do passado, como conceder anistia ampla sem definir responsabilidades, não resolve conflitos, apenas adia seu desfecho.
Bolsonaristas são contra mudanças
A urgência na tramitação do Projeto de Lei (PL) que propõe a anistia foi aprovada na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, por 311 votos favoráveis e 163 contrários. A proposta aprovada é a de 2023, do deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), e possibilita o perdão aos condenados pela trama golpista e pelos atos do 8 de janeiro.
O relator da proposta, o deputado federal Paulinho da Força (Republicanos), antecipou que mudará o texto para que não haja perdão, mas redução das penas. Segundo ele, essa modificação irá “pacificar o país”.
No entanto, a mudança encontra resistência na ala bolsonarista do Congresso. Os aliados do ex-presidente seguem defendendo a anistia “ampla, geral e irrestrita”.
A urgência aprovada na Casa acelera a tramitação do projeto, possibilitando a votação diretamente no Plenário, sem a necessidade de passar por comissões. Paulinho afirmou, na última sexta, que irá apresentar o relatório nesta quarta-feira.
Se aprovado na Câmara, o PL segue para o Senado, passando pela avaliação e aprovação nas comissões competentes para seguir ao Plenário. Só após ser aprovado na Casa Alta é que o projeto segue para sanção ou veto do presidente Lula.
Em entrevista à BBC, o presidente adiantou que vetaria uma proposta de anistia aprovada pelo Congresso. “Se viesse pra eu vetar, pode ficar certo de que eu vetaria”, disse. Lula ainda ponderou que “presidente da República não se mete em uma coisa do Congresso”.