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'Greice' conquista o espectador com narrativa divertida liderada por personagem irresistível

Filme dirigido por Leonardo Mouramateus e protagonizado por Amandyra foi o grande vencedor do 13º Olhar de Cinema

Por André Guerra

A jovem Greice (Amandyra) cursa Artes em uma universidade de Lisboa e, ao conhecer o português abastado Alfonso (Mauro Soares) de maneira nada usual, inicia uma relação que, durante uma festa de calouros, resulta em um acidente envolvendo um quadro caríssimo. A situação vira a vida dela de cabeça para baixo e Greice, o filme, muda completamente de cenário — de Lisboa para Fortaleza — e assume uma estrutura repleta de pequenas e cômicas imprevisibilidades, conforme as narrativas da protagonista se transformam em uma bola de neve.

Dirigido e escrito por Leonardo Mouramateus (Antônio Um Dois Três e A Vida São Dois Dias), este projeto de alto nível de cinismo e sagacidade, foi o grande vencedor do 13º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, incluindo o prêmio de melhor filme. Chama atenção, no cenário de festivais no Brasil, assistir a uma comédia que, ao mesmo tempo em que se assume como tal, jamais tenta se adequar a uma estrutura padronizada do gênero — formal ou tematicamente. Pelo contrário: dentro do possível, Mouramateus parece subverter várias expectativas tanto da comédia quanto do cinema de circuito alternativo.

Greice tem um senso de humor afiado desde o início, mas consegue tornar sua premissa mais interessante a cada bloco, à medida que a personagem-título se transforma em uma espécie de mosaico de versões. Amandyra, numa atuação inteligente e sedutora, faz o público comprar completamente as histórias da protagonista, mesmo quando ela toma decisões claramente equivocadas. Enquanto a primeira metade tem uma sensação curiosa de deslocamento, sobretudo por se passar em um país estrangeiro, a segunda, ambientada em Fortaleza, ganha ainda mais humor e coadjuvantes de peso, que ajudam a relação público–personagem a se tornar mais cheia de nuances.

É particularmente feliz que o longa não trate Greice com julgamentos morais em relação às suas artimanhas e jogos de poder, mas se divirta explorando as possibilidades práticas de suas ações — cabendo ao espectador fazer seu próprio juízo. E surpreende que, no processo, Mouramateus consiga construir cenas ternas que pegam a plateia desprevenida no meio de todo o cinismo do roteiro. Greice nunca é vista pelo diretor como uma figura heroica nem vilanesca; aos olhos da câmera, ela é sempre uma musa da invenção.

"Comecei a pensar nesse projeto quando tinha acabado de chegar a Lisboa. Muitas das experiências retratadas no filme vêm diretamente da minha própria vivência como recém-imigrante. Tenho a sensação de que, se ainda se vê na tela uma relação de muita paixão por um lugar novo, há algo de amadurecimento meu aí em termos formais" afirma o diretor em entrevista ao Viver. "Eu não conseguiria ter feito esse filme sem antes ter dirigido os dois anteriores, sem dúvida, o que se deve muito à minha colaboração com Mauro. O ritmo, o tom e a cadência são uma construção nossa", acrescentou.

Mauro Soares, ator e preparador de elenco do filme, destacou o processo de amadurecimento das filmagens. "Foi muito rico termos tido uma separação entre a primeira parte e a segunda. Tivemos todo um tempo de pré-produção antes de cada um dos blocos, o que torna a segunda metade ainda mais ‘harmônica’, ao menos no que noto das reações das pessoas", explica. "Toda a parte de Fortaleza tem uma palatabilidade que vem muito de já termos gravado a primeira e podido analisar o material com calma. Nos outros dois filmes também filmamos por partes, então acho que afinamos esse jeito de trabalhar — e, em Greice, vemos esse amadurecimento como resultado".