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Países se mobilizam e pedem fim do sofrimento humanitário em Gaza

"O espaço humanitário deve ser protegido e a ajuda nunca deve ser politizada", diz o comunicado conjunto dos países da União Europeia

Por Isabel Alvarez

Palestinos inspecionam a destruição em um campo improvisado para deslocados após uma incursão relatada no dia anterior por tanques israelenses na área de Khan Yunis, no norte da Faixa de Gaza, em 11 de julho de 2025. (Foto da AFP)

Nesta terça-feira (12), mais de 20 países e responsáveis da União Europeia apelaram ao governo de Israel para que permita a entrada da ajuda das organizações internacionais na Faixa de Gaza, onde denunciam que o sofrimento humanitário atingiu níveis inimagináveis.

"A fome está a instalar-se diante dos nossos olhos. É necessária uma ação urgente para travar e inverter a situação de fome. O espaço humanitário deve ser protegido e a ajuda nunca deve ser politizada", defendem, num comunicado conjunto.

A chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, também apelou a Israel para que autorize todos os envios de ajuda das ONG internacionais e que permita a atuação de agentes humanitários essenciais.

Devastação e fome generalizada

As condições de sobrevivência em Gaza são cada vez mais difíceis e o bloqueio à entrada de bens alimentares por Israel não é o único fator que agrava e alastra a fome e a desnutrição por toda a região. Segundo dados das Nações Unidas, a destruição causada pelos ataques israelenses também deixou o território com apenas 1,5% de terra cultivável e acessível. “Israel construiu a mais eficiente máquina de fome que se possa imaginar. É chocante ver pessoas a passar fome, mas ninguém deve ficar surpreendido. Todas estas informações estão sendo divulgadas desde o início de 2024”, considerou o enviado da ONU para o Direito à Comida, Michael Fakhri.

Desde o início do cerco a Gaza, Israel tem se focado em destruir fontes de alimentação, como pomares, estufas, campos agrícolas e zonas de pesca, aponta Fakhri.

Recentemente o gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários alertou que o consumo de alimentos em Gaza desceu para o seu nível mais baixo desde o início da guerra, com 81% das famílias a relatarem um escasso consumo de alimentos. Em abril eram 33%. "Quase nove em cada dez famílias recorreram a mecanismos de sobrevivência extremamente severos para se alimentarem, tais como correr riscos de segurança significativos para obter alimentos e apanhar comida do lixo", afirmou o gabinete em comunicado.

Além disso, entre junho e julho, o número de internação por desnutrição quase duplicou, passando de 6.344 para 11.877, de acordo com o último balanço da UNICEF. “Gaza está agora à beira de uma fome em grande escala. As pessoas estão morrendo de fome não porque não haja alimentos disponíveis, mas porque o acesso está bloqueado, os sistemas agro-alimentares locais entraram em colapso e as famílias já não conseguem assegurar nem os meios de subsistência mais básicos”, alertou Qu Dongyu, diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).
“Precisamos urgentemente de acesso humanitário seguro e sustentado e de apoio imediato para restaurar a produção alimentar local e os meios de subsistência. Esta é a única forma de evitar mais perdas de vidas. O direito à alimentação é um direito humano básico”, acrescentou.

Já são nas últimas semanas mais de 200 vítimas mortais por falta de comida, incluindo pelo menos 96 crianças, além das centenas de pessoas com doenças causadas ou agravadas pela má nutrição, após meses de bloqueio da ajuda humanitária por parte de Israel e que ainda limita a entrada de suprimentos e bens essenciais. O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, diz que a situação que se vive hoje em Gaza é má nutrição generalizada, com cada vez mais casos de mortes relacionadas com a fome. "Em julho, quase 12 mil crianças com menos de cinco anos ficaram com má nutrição severa em Gaza, o número mensal mais alto já registrado”, assinalou.

A organização Médicos Sem Fronteiras exigiu também o encerramento dos pontos de distribuição de alimentos geridos pela Fundação Humanitária de Gaza (FHG), controlada por Israel e apoiada pelos EUA, considerando-os locais de assassinatos orquestrados de palestinos. A acusação esta embasada numa análise de dados médicos e de testemunhos de médicos e doentes em duas clínicas que administra em Gaza, onde já receberam regularmente fluxos em massa de vítimas após a violência nos centro da FHG. “Os locais de distribuição de alimentos da FHG são cenário de uma violência dirigida e indiscriminada por parte das forças israelenses e dos fornecedores privados norte-americanos contra os palestinos famintos”, revela a MSF.

A MSF apela ao desmantelamento imediato do programa da FHG e à reposição do mecanismo de prestação de ajuda coordenado pela ONU e pede aos governos, especialmente aos Estados Unidos, mas também aos doadores privados, para que suspendam todo o apoio financeiro e político à FHG. “Nos quase 54 anos de operação da MSF, raramente assistimos a tais níveis de violência sistemática contra civis desarmados. As crianças foram baleadas no peito enquanto tentavam apanhar comida. As pessoas foram esmagadas ou sufocadas em debandadas. Multidões inteiras foram baleadas em pontos de distribuição”, contou a diretora-geral da MSF, Raquel Ayora.

Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) garantiu hoje que não há nenhum um aumento significativo na entrada de ajuda humanitária no enclave palestino, como haviam anunciado as autoridades israelenses, e reiterou ainda a situação catastrófica no sistema de saúde na região. O chefe do escritório da OMS para os territórios palestinos ocupados, Rik Peeperkorn, declarou que a ajuda não está entrando, de todo, nos níveis necessários, apesar de Israel ter garantido recentemente que teriam pausas nos combates para esse efeito.

Segundo Peeperkorn, isso se deve em parte a procedimentos muito lentos e burocráticos, mas também ao fato de Israel continuar a bloquear a entrada de determinados fornecimentos, incluindo material médico. Atualmente, metade dos hospitais e um terço dos centros de cuidados primários estão funcionando muito parcialmente ou de modo extremamente limitado e, em todos os casos, a lotação de doentes excede em três vezes a capacidade. "Temos também uma grave escassez de medicamentos e de material. Pelo menos 52% dos fármacos e 68% dos fornecimentos estão esgotados", destacou.

Em contrapartida, Israel negou hoje qualquer sinal de subnutrição generalizada na Faixa de Gaza, segundo um relatório de uma agência do Ministério da Defesa israelense, apesar dos avisos da ONU, Médicos Sem Fronteiras entre outras Ongs e de novas mortes anunciadas. “Não há qualquer sinal de subnutrição generalizada entre os habitantes de Gaza”, diz a agência, acrescentando criticas a exploração cínica de imagens trágicas por parte do Hamas.