Entre o Sertão e o mar: o futuro das cidades pernambucanas
Arquitetura é pacto. É responsabilidade.
Arquitetura é pacto. É responsabilidade. Gosto de pensar Pernambuco como uma travessia. Começamos no Sertão, que ensina resistência; passamos pelo Agreste, que inventa caminhos; e desaguamos no Recife – cidade-lâmina, cidade-poema. Essa geografia de contrastes nos lembra que projetar não é apenas erguer estruturas, mas interpretar lugares, memórias, ventos e silêncios.
É justamente dessa leitura do território que emerge um chamado: Pernambuco precisa de um novo pacto entre a arquitetura e o futuro de suas cidades. Recife, sempre tão nossa, nos interpela antes mesmo de nos responder. Feita de luz, água e camadas superpostas de história, é também uma das capitais brasileiras mais vulneráveis a eventos extremos, segundo séries do MapBiomas até 2024 – lembrete severo de que o futuro climático deixou de ser abstração.
No Sertão, a Agência Nacional de Águas (ANA) registra alguns dos períodos de seca severa mais longos da última década. Ali, onde a aspereza do solo convive com a força de quem permanece, o planejamento urbano deixa de ser método para tornar-se sobrevivência.
Já no Agreste, o movimento é outro. Caruaru alcançou cerca de 405 mil habitantes em estimativas recentes do IBGE, sinalizando o vigor demográfico e econômico de uma região que não espera que a cidade aconteça – ela própria a provoca. Esse pulso interiorano exige de nós uma leitura cuidadosa de suas dinâmicas e vulnerabilidades, para que o crescimento não reproduza velhas desigualdades.
Quando observamos a realidade social, a urgência é igualmente evidente. Pernambuco registra cerca de 345 mil domicílios em déficit habitacional, segundo a Fundação João Pinheiro (2023–2024). Não é um número: é uma voz. E o IBGE (Censo 2022) mostra que 85% da população pernambucana vive em áreas urbanas, pressionando sistemas já fragilizados e demandando uma arquitetura comprometida com mobilidade inteligente, manejo das águas, proteção das paisagens e garantia do direito à cidade.
Essa leitura do território, que dialoga diretamente com o déficit habitacional, a desigualdade territorial e as pressões climáticas, recoloca o sentido do projeto: deixa de ser apenas técnica e volta a ser responsabilidade. Da aridez do Sertão às marés do Recife, seguimos atravessando o que somos para constantemente nos confrontarmos com a transformação da própria categoria profissional.
Em 2024, o estado registrou 6.435 arquitetos e urbanistas ativos, distribuídos em mais de 140 municípios, segundo dados do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco. O aumento de 12,83% na emissão de Registros de Responsabilidade Técnica (RRTs) – documentos que formalizam quem responde por cada projeto, obra ou laudo – revela a ampliação da presença técnica no território.
No Dia do Arquiteto (15/12), renovamos um compromisso que é um gesto de cuidado, de ética e de futuro. Nossa atuação vai além dos edifícios: envolve escutar territórios, proteger tradições, imaginar possibilidades e construir o que ainda seremos. Porque, como lembrou João Cabral, somos feitos das rugosidades e correntes de um lugar que insiste em significar.
Projetar é interpretar esse poema geográfico – e assumir a responsabilidade de escrevê-lo com justiça, beleza e coragem. A cidade nos espera. O futuro nos pede. E nós, arquitetos e urbanistas, seguimos prontos para responder.
Roberto Salomão *
* Presidente do CAU/PE