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Soberania na era do cangaço digital

Nesses tempos de desarrumação geopolítica, surge um vilão que atende pela alcunha de ransomware

Por Felipe Sampaio

Nesses tempos de desarrumação geopolítica surge um vilão que atende pela alcunha de Ransomware.

Felipe Sampaio *

Nesses tempos de desarrumação geopolítica, surge um vilão que atende pela alcunha de ransomware. Um cangaceiro digital que faria Lampião e a Perna Cabeluda parecerem malvados de revistas infantis. Foi-se o tempo em que o bicho-papão dos ciberataques eram os vírus que estragavam arquivos e programas.
O ransomware é um sequestrador cibernético: um software que invade computadores de empresas multinacionais, bloqueando dados e interrompendo fluxos de informações para pedir resgate em criptomoedas (o que facilita a lavagem do dinheiro).


A arquitetura do ransomware lembra as células de grupos terroristas — uma mistura de Al-Qaeda com Matrix. Cada ransomware é desenvolvido por programadores integrantes de grupos de ataque distintos, e cada grupo é subdividido em células operacionais independentes. Isso complica a captura dos criminosos porque exige das autoridades tecnologia de última geração e muita cooperação internacional. As instituições-alvo também precisam de sistemas de segurança que custam uma fortuna.


Foi o que aconteceu, outro dia, com a Jaguar Land Rover. A empresa gastou US$ 250 milhões apenas para reorganizar sua informática, em resposta a um ataque de ransomware que paralisou suas operações industriais e comerciais mundo afora. Segundo o Estadão, o faturamento da empresa pode ter despencado US$ 1 bilhão só no trimestre do ataque. O prejuízo transbordou do caixa da companhia para toda a sua cadeia de fornecimento e distribuição, em efeito cascata. De acordo com o Cyber Monitoring Centre, a pancada na economia britânica pode ter chegado a US$ 2,5 bilhões.


Nesse cenário, o ransomware chega a ser um risco às soberanias nacionais. Sob a lente da segurança econômica, vale lembrar que mercados e governos estão interligados. Sob o ângulo da Defesa e da Segurança, o fenômeno acende a luz vermelha para o colapso em áreas críticas como comunicações, energia, saúde, alimentos, transportes, armamentos, finanças, entre outros setores estratégicos. Já pensou “desligar um país”, deixando-o à deriva e vulnerável por dias?


A coisa complica ainda mais quando os alvos são do setor de Defesa. A Security Magazine revela que, nos EUA, 32% das indústrias de Defesa ainda estão vulneráveis a sequestros de dados. O problema é que esse percentual está conectado com os demais dois terços do setor via cadeias produtivas, big techs, hubs de inovação e sistema financeiro — e pode contaminá-los. Especialistas apontam que os EUA, o Reino Unido e os membros da Otan estão na mira dos cibercangaceiros e são permanentemente atacados. Há quem arrisque dizer que a III Guerra Mundial será digital — e já está em andamento.


Agências de inteligência ocidentais atribuem a origem dos grupos de ransomware mais agressivos a países como Rússia, China, Irã e Coreia do Norte, onde as legislações são menos rigorosas, facilitando investidas contra o mundo todo. O Ocidente parece estar melhor preparado para coibir grupos locais.
No Brasil, algumas leis e regulamentações para o mundo digital oferecem certa capacidade de atuação sobre o problema, como a LGPD e o próprio Código Penal. Mas é preciso aprimorar nosso aparato legal para crimes como o ransomware. Segundo a Teletex (cibersegurança), há também um atraso tecnológico: 49% das organizações brasileiras atacadas até o momento tinham brechas na segurança de seus sistemas desatualizados. O histórico brasileiro de pagar resgates e não notificar ocorrências só piora a situação.

*Atua com empresas, organizações multilaterais e terceiro setor; sócio da Terra Consultoria e Inovação; cofundador do Centro Soberania e Clima; foi secretário-executivo substituto no Ministério do Empreendedorismo; dirigiu o sistema de estatística do Ministério da Justiça; foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; chefiou a assessoria do ministro da Defesa; foi empreendedor em mineração; presta assessoria à presidência do Ibram.