Há duzentos anos, um instrumento da cultura regional
O que se destaca no Diario de Pernambuco, além de sua notável trajetória, é o conjunto de suas antecipações no campo do ideário democrático
O que se destaca no Diario de Pernambuco, além de sua notável trajetória, é o conjunto de suas antecipações no campo do ideário democrático.
Fundado em 7 de novembro de 1825 — três anos após a Independência e dois anos antes da criação dos Cursos Jurídicos —, o jornal mais antigo em circulação na América Latina nasceu para ser, a princípio, apenas uma folha de anúncios. Mas logo se ampliou e transformou-se em um denso e vigoroso instrumento da cultura regional.
Seu fundador, o tipógrafo e publicista Miranda Falcão, foi o mesmo que imprimia o Typhis Pernambucano, jornal panfletário de Frei Caneca, através do qual se difundiam as páginas pungentes do nosso irredentismo e do espírito de liberdade, encarnado, desde cedo, pelo Diario. Assim, ninguém ousará escrever a história de Pernambuco — e da própria Região — sem ter o Diario à mão.
Prova disso é que, a partir dos anúncios de escravos publicados nos jornais da época, sobretudo no Diario, Gilberto Freyre pôde situar definitivamente a questão antropológica e cultural do negro, outrora tratado, lamentavelmente, como mero objeto de compra e venda.
Reconhecem-se, portanto, os jornais como fontes preciosas de pesquisa e permanente consulta — testemunhos históricos, culturais e sociais que perduram por uma vida inteira de inquietações e controvérsias.
Nesse diapasão, ao celebrar o seu bicentenário, o Diario de Pernambuco encarna, em seus arquivos e em suas páginas cotidianas, dois séculos de um passado que ainda pulsa. Atualizando-se continuamente, graças à dedicação dos que o conduziram ao longo do tempo, o jornal segue jovem e maduro, registrando notícias e acontecimentos, fatos e dados que circunscrevem nossa paisagem política e social.
Esse é, pois, o Diario que, desde cedo, soube tocar a sensibilidade de seus leitores, tornando-os fiéis ao seu ideário de liberdade. Lamenta-se apenas que, embora o pernambucano seja bem servido de órgãos de imprensa, ainda se mostre pouco afeito à leitura diária dos matutinos — uma questão educacional e cultural que desafia nossa sociedade, nossas famílias e nossas lideranças educacionais.
É preciso dizer, alto e bom som: ler é prazer e dever.
Vale ressaltar que a efeméride dos duzentos anos coincide com o trabalho de profissionais fiéis ao legado deixado por tantos grandes nomes da imprensa regional, o que representa mais um motivo de regozijo para a nossa pernambucanidade.
O Diario também é depositário da memória pernambucana. Suas páginas preservam e celebram a história da educação, da arte, da cultura, da música, do teatro, da arquitetura, das tradições populares e da vida política da Região. Nelas ecoam as vozes de Capiba, Manuel Bandeira, Mauro Mota, Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, entre tantos outros que ajudaram a narrar a alma pernambucana.
Cada edição diária é, ao mesmo tempo, testemunho do tempo e parte de um vasto arquivo que documenta a transformação da sociedade.
A chegada da era digital, no final do século XX e início do XXI, representou um novo desafio. Como todos os grandes periódicos tradicionais, o Diario precisou reinventar-se para sobreviver num mundo de velocidade informacional e múltiplas plataformas comunicacionais. A transição para o meio eletrônico, a criação de portais de notícias, a adaptação de linguagens e formatos e a presença ativa nas redes sociais demonstram sua capacidade de evolução.
Hoje, o jornal encontra-se em equilíbrio entre tradição e modernidade: preserva o peso da história, mas atua com o dinamismo exigido pelo tempo presente.
Celebrar seus duzentos anos não é apenas homenagear uma instituição jornalística: é reconhecer o valor da imprensa livre como pilar da democracia e da cultura.
O Diario de Pernambuco permanece como espelho da sociedade, arquivo vivo e voz que atravessou regimes, crises e renovações. Sua longevidade comprova sua relevância contínua e sua habilidade em se adaptar sem renunciar à essência: informar, interpretar, dialogar e contribuir para a formação da consciência pública.
Assim, o bicentenário do Diario é, ao mesmo tempo, passado, presente e futuro — um marco histórico que reafirma a importância da palavra impressa — e agora digital — na construção da nossa identidade cultural, individual e coletiva.
Roberto Pereira *
*Membro efetivo e benemérito do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano; do Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana; da Academia de Artes e Letras de Goiana; da Academia Brasileira de Eventos e Turismo; e da Academia Pernambucana de Letras.