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Comércio - A crise se aprofunda

O esvaziamento do comércio nas áreas centrais não deve ser visto como um fenômeno isolado, mas como um espelho das falhas estruturais do país

Por Ângelo Castelo Branco

Comércio de rua

O esvaziamento dos centros comerciais no Recife e em outras cidades é um fenômeno complexo, que não pode ser reduzido apenas ao crescimento dos shopping centers.

Trata-se de um processo resultante de múltiplos fatores, que incluem desigualdade social, insegurança urbana, carga tributária elevada e ausência de políticas públicas voltadas à requalificação desses espaços. O comércio de rua, que durante décadas sustentou a vitalidade dos centros históricos, passou a enfrentar a concorrência desleal da economia informal.

Camelôs e vendedores ambulantes, pressionados pela pobreza e pela falta de oportunidades formais, ocuparam calçadas e praças oferecendo produtos a preços mais baixos, sem os custos que pesam sobre os lojistas tradicionais, como impostos, encargos trabalhistas, aluguel e manutenção predial.

Essa dinâmica, que garante sobrevivência a milhares de famílias, ao mesmo tempo mina a rentabilidade das lojas estabelecidas, contribuindo para o fechamento de pontos comerciais e para a degradação urbana.

A esse quadro soma-se o agravamento da insegurança pública. Nas últimas décadas, os índices de furtos e assaltos nas áreas centrais cresceram de forma preocupante, afastando consumidores e trabalhadores.

Em contrapartida, os shopping centers passaram a oferecer um diferencial competitivo baseado na sensação de proteção, com monitoramento eletrônico, vigilância privada e ambientes controlados. O resultado é um deslocamento progressivo do fluxo de consumidores para espaços fechados, esvaziando ainda mais os centros urbanos.

Outro elemento decisivo é a elevada carga tributária que incide sobre os empreendedores brasileiros. O sistema de impostos é complexo, burocrático e punitivo, tornando a atividade comercial formal cada vez mais onerosa.

Nesse contexto, a comparação entre o peso do comércio regulamentado e a flexibilidade da economia informal é desvantajosa, desestimulando investimentos em lojas de rua e acelerando o processo de abandono dos centros tradicionais.

Esse cenário reflete, em última instância, a ausência de políticas estruturantes por parte do Estado. Em vez de enfrentar as raízes da desigualdade com investimentos consistentes em educação e qualificação profissional, os governos brasileiros têm preferido ampliar programas de transferência de renda.

Em setembro de 2025, cerca de 92 milhões de pessoas — praticamente metade da população — recebiam algum tipo de benefício social.

Embora fundamentais para mitigar a fome e a miséria imediata, esses programas não promovem a emancipação econômica e aumentam a dependência da população em relação ao orçamento público.

A médio prazo, esse modelo ameaça a sustentabilidade fiscal do país, que poderá não suportar a simultaneidade de gastos com programas sociais, previdência, infraestrutura e serviços essenciais, criando um risco de colapso semelhante ao que ocorreu na Venezuela.

Experiências internacionais mostram, no entanto, que esse processo não é irreversível. Cidades como Barcelona e Lisboa investiram de forma consistente na revitalização de seus centros históricos, transformando-os em polos de cultura, turismo e comércio, com estímulos à moradia, preservação arquitetônica e incentivos ao pequeno empreendedor.

Na América Latina, Bogotá apostou na recuperação do espaço público com foco em transporte coletivo, segurança e uso cultural dos centros urbanos, conseguindo reintegrar essas áreas à vida social e econômica da cidade.

Esses exemplos evidenciam que políticas integradas — combinando requalificação urbana, segurança pública, simplificação tributária e estímulos à formalização — podem transformar a realidade dos centros brasileiros, devolvendo-lhes vitalidade e centralidade.

O esvaziamento do comércio nas áreas centrais não deve ser visto como um fenômeno isolado, mas como um espelho das falhas estruturais do país.

Se o Brasil quiser evitar a degradação progressiva de seus centros urbanos, será necessário adotar medidas de longo prazo que enfrentem de forma séria as desigualdades, modernizem o ambiente de negócios e restituam à população a confiança de voltar a ocupar os espaços públicos.

Sem isso, os centros continuarão a perder relevância econômica e cultural, perpetuando um ciclo de abandono que empobrece não apenas as cidades, mas também o próprio projeto de desenvolvimento nacional.

Ângelo Castelo Branco - Jornalista