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Justiça Climática: Da Periferia ao Centro

No Recife, onde o barro da várzea se mistura às águas do Capibaribe, a crise climática não é uma abstração, é rotina

Por Joice Paixão

Recife, PE, 28/07/2025 - CHUVAS NO RECIFE - Imagens das chuvas no Recife, alagamentos e pessoas andando na chuva e na agua.

No Recife, onde o barro da várzea se mistura às águas do Capibaribe, a crise climática não é uma abstração, é rotina. As chuvas que alagam, os deslizamentos que matam, o lixo que estrutura e a ausência do Estado que escorre pelas paredes das casas periféricas são sintomas de um modelo urbano excludente e racista. Mas é também nesse território que brotam as soluções.

A justiça climática começa na periferia. E não como metáfora, mas como prática concreta. Foi no chão molhado das enchentes de 2022 que o Gris Solidário se fez presente, atuando desde o momento zero, escutando, mapeando, cuidando, organizando redes de solidariedade. Não esperamos o Estado, nos tornamos o Estado que nos faltava.

Essa atuação nos levou ao reconhecimento nacional, com o Prêmio Periferia Viva e o Selo Periferia Sem Risco, entregue pelas mãos do presidente da República em 2024. Mas mais importante que a medalha foi o recado, as soluções climáticas já existem, e nascem da periferia. O que falta é escuta, visibilidade e financiamento.

Hoje, mais de 200 mil pessoas vivem em áreas de risco no Recife. Nos últimos cinco anos, mais de 160 vidas foram perdidas por deslizamentos e inundações. E, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, as populações negras e periféricas são as mais afetadas por desastres climáticos. Ainda assim, seguimos fora dos grandes fluxos de financiamento. Somos chamadas de “impactadas”, quando na verdade somos protagonistas.

Foi por isso que, nos dias 26 e 27 de setembro, estivemos reunidas no encontro Clima de Cuidado, Financiamento Climático para as Periferias, numa parceria entre a Iniciativa PIPA e a Rede GERA, com mais de 20 organizações da Região Metropolitana do Recife. Construímos juntas um Mapa de Tecnologias Sociais, sistematizamos dados, praticamos o cuidado como eixo político e elaboramoramos diretrizes de financiamento para apresentar na COP30.

A justiça climática não se constrói apenas com gráficos e metas. Ela se constrói com escuta ativa, comida quente, abraço, sabedoria ancestral e terreiro vivo. É isso que estamos fazendo. E é isso que precisa ser financiado.

Porque não há futuro possível sem cuidar de quem já cuida. E a justiça climática começa, e se sustenta, na periferia.

 

Joice Paixão

Cientista social, terapeuta comunitária e presidenta da Associação Gris, na Várzea (PE)