Direitos sociais - Promessas constitucionais ou expectativas frustradas?
Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, o Brasil se encheu de esperança. Após anos de regime militar, a nova ordem garantiu direitos sociais como saúde, educação, moradia e trabalho digno, prometendo reduzir desigualdades e garantir condições mínimas de vida
Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, o Brasil se encheu de esperança. Após anos de regime militar, a nova ordem garantiu direitos sociais como saúde, educação, moradia e trabalho digno, prometendo reduzir desigualdades e garantir condições mínimas de vida. Mais de trinta anos depois, surge a dúvida: essas promessas foram cumpridas ou permanecem apenas expectativas frustradas?
Os direitos sociais, ao contrário dos direitos civis e políticos, dependem da atuação ativa do Estado. Eles exigem políticas públicas, investimento contínuo, planejamento e, sobretudo, vontade política. Não basta garantir o direito à saúde no artigo 196 da Constituição se hospitais públicos estão superlotados, faltam medicamentos, profissionais e infraestrutura. O mesmo vale para o direito à educação de qualidade, que não se realiza plenamente em escolas sem recursos, professores mal remunerados e estruturas precárias.
Em tempos de crise fiscal, os direitos sociais costumam ser os primeiros a sofrer cortes. O discurso da “austeridade” muitas vezes é usado para justificar o subfinanciamento de políticas públicas essenciais. A Emenda Constitucional nº 95/2016, por exemplo, congelou por 20 anos os gastos públicos primários, impactando diretamente áreas como saúde e educação — justamente aquelas em que a Constituição promete prioridade absoluta.
O problema, no entanto, não se resume à falta de recursos. Em muitos casos, os obstáculos à efetivação dos direitos sociais decorrem de má gestão, corrupção, descontinuidade de políticas públicas e ausência de planejamento de longo prazo. Governos que mudam prioridades a cada ciclo eleitoral comprometem a construção de políticas estruturantes, essenciais para garantir o mínimo existencial previsto constitucionalmente.
Nesse cenário, o Poder Judiciário tem sido frequentemente chamado a intervir. A judicialização dos direitos sociais, especialmente no campo da saúde, revela duas faces de uma mesma moeda: por um lado, garante proteção a indivíduos que buscam medicamentos, tratamentos ou acesso a serviços públicos negados; por outro, gera desafios à separação dos poderes e à alocação de recursos, especialmente quando decisões judiciais individualizadas pressionam orçamentos públicos limitados.
A Constituição de 1988 não falhou ao reconhecer os direitos sociais como fundamentais. Pelo contrário: ela antecipou a compreensão moderna de que dignidade humana não se esgota na liberdade formal, mas exige condições materiais mínimas para o exercício pleno da cidadania. O que tem falhado é a nossa capacidade — enquanto sociedade, gestores e instituições — de transformar essas promessas em realidade.
A frustração com a não efetivação dos direitos sociais não deve levar à descrença na Constituição, mas à exigência de seu cumprimento. A resposta não é a redução de direitos, mas o fortalecimento das estruturas públicas, a melhoria da gestão, o combate à desigualdade e a construção de um modelo de desenvolvimento mais justo e inclusivo.
Enquanto os direitos sociais forem tratados como concessões e não como obrigações constitucionais vinculantes, continuaremos convivendo com um abismo entre o Brasil escrito na Constituição e o Brasil vivido nas ruas, escolas, hospitais e favelas.
Orlando Morais Neto