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Qual a influência de Espanha e Portugal nos genes brasileiros?

O nosso DNA guarda registros que a memória coletiva muitas vezes esquece. A presença da Península Ibérica — Portugal e Espanha — na formação do Brasil não se restringe ao idioma ou aos traços culturais: ela está gravada em nossos genes

Por Ricardo di Lazzar

Bandeiras da Espanha e de Portugal

Por Ricardo di Lazzaro, médico em genética e cofundador da Genera, marca da Dasa, líder de medicina diagnóstica no Brasil


O nosso DNA guarda registros que a memória coletiva muitas vezes esquece. A presença da Península Ibérica — Portugal e Espanha — na formação do Brasil não se restringe ao idioma ou aos traços culturais: ela está gravada em nossos genes. Um levantamento recente da Genera mostra dados interessantes sobre essa relação, entre eles, que o Nordeste concentra a maior conexão genética com a Ibéria, liderado por Paraíba (36,99%), Rio Grande do Norte (36,84%) e Ceará (35,98%). Bahia (31,52%) e Pernambuco (35,07%) também aparecem com índices elevados.


Esses números são reveladores não apenas por sua precisão, mas pelo que carregam de história. O Nordeste, ponto de entrada da colonização portuguesa, foi o cenário no qual se consolidou a miscigenação inicial entre povos indígenas, ibéricos e africanos. Não surpreende, portanto, que a região concentre a maior presença ibérica em seu DNA: trata-se de um registro biológico da centralidade histórica do Nordeste nos primeiros ciclos do país.


No Sudeste, Minas Gerais (35,92%) e Rio de Janeiro (33,43%) mantêm forte ligação, enquanto São Paulo, apesar de reunir mais de 64 mil perfis analisados, apresenta menor representatividade proporcional (28,27%). Para mim, esse dado é muito interessante e reflexo direto da diversidade migratória. Apesar de ser um dos estados mais ligados a Portugal em termos históricos, a condição de polo migratório plural de São Paulo reduziu a proporção ibérica em comparação a outros estados. É um lembrete de que nossa identidade não é estática, mas sempre resultado de camadas sucessivas de encontros, deslocamentos e misturas.


No Centro-Oeste, Goiás (35,62%) e o Distrito Federal (33,40%) se destacam. Em contrapartida, o Sul expressa uma trajetória distinta: a influência de correntes não ibéricas é nítida, com Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul abaixo de 26%. A chegada em massa de alemães e italianos nos séculos 19 e 20 deixou uma marca genética forte, tornando os índices ibéricos menos representativos.


O que esses contrastes nos mostram é que o Brasil nunca foi uniforme. Cada região traduziu de maneira própria as ondas migratórias que a atingiram, e a genética ajuda a iluminar essas diferenças.

Compreender a profundidade de nossa ancestralidade, incluindo a marca ibérica e a complexa mistura que nos forma, oferece chaves valiosas para desvendar predisposições genéticas e até mesmo a resposta individual a medicamentos. Por exemplo, saber que um indivíduo possui uma determinada ancestralidade pode ajudar a prever como seu corpo processará certos fármacos, otimizando dosagens e minimizando efeitos adversos – um pilar fundamental da medicina personalizada.


O DNA, nesse sentido, transcende a função de mero arquivo do passado; ele se consolida como um mapa complexo, capaz de guiar a jornada de cada brasileiro em direção a um conhecimento mais profundo de si, não apenas em sua identidade cultural e histórica, mas também em sua saúde mais íntima.
A genética, nesse sentido, deixa de ser uma curiosidade técnica e se afirmar como chave para repensarmos nossa própria identidade.