° / °
Cadernos Blogs Colunas Rádios Serviços Portais

"Retábulos, Predela " de João Câmara

Além de ser reconhecido como "o mais importante pintor brasileiro de sua geração" pelo poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, de ter sido elogiado pelo pintor Francisco Brennand pela fecundidade de sua obra, em memorável discurso de 21 de setembro de 2019, no Instituto Oficina Brennand (elogio nunca dado pelo Senhor da Várzea a outro pintor do seu tempo), João Câmara tem se notabilizado como ficcionista

Por Marcus Prado

Além de ser reconhecido como “o mais importante pintor brasileiro de sua geração” pelo poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, de ter sido elogiado pelo pintor Francisco Brennand pela fecundidade de sua obra, em memorável discurso de 21 de setembro de 2019, no Instituto Oficina Brennand (elogio nunca dado pelo Senhor da Várzea a outro pintor do seu tempo), João Câmara tem se notabilizado como ficcionista. Agora, dá continuidade à sua vocação nesse gênero com a publicação do seu terceiro livro como contista, “Retábulos, Predela”, lançado em primorosa edição da Topbooks. Um detalhe que enriquece essa edição são as ilustrações, feitas pelo autor, na tradição de publicar livros de excelente qualidade gráfica, para serem guardados como quem guarda uma obra de arte. Os painéis icônicos (o efeito ocultador desses painéis), não aparecem por acaso nas narrativas desse livro. (O da página 99 me conduz ao House of Doctor Gachet, Auver-sur-Oise, de Paul Cezanne, 1872-1873). Outro desafio para os que são capazes de se deslocar para a posição do puro intuir, para o fluxo do descobrir. O “apreender”, no que nos induz Edmund Husserl no seu clássico e complexo “A ideia de fenomenologia”. Dizer que João Câmara tem o domínio de técnicas avançadas de composição gráfica, com os complexos recursos de arte digital e se apropria de muitos dos seus artifícios, faz parte do seu perfil intelectual. Tornou-se contista, ele que faz com a palavra ¬¬¬¬o que faz na pintura: ganha uma pluralidade de significados e símbolos. As células que constituem as duas expressões de arte, em Câmara, o íntimo relacionamento, são semelhantes entre si: individualmente, culturalmente, humanamente parecidos, impregnadas de sentimentos e símbolos. No que faz na pintura e na ficção literária, se mantém em um plano de mistério, realidade ou simbolismo, e leva o leitor a seguir, de maneira metonímica, de forma livre e subjetiva, os fios condutores descritivos na sua singularidade. Os personagens que se instalam na sua ficção, albergados na construção do texto, chegam a tomar tamanho vulto e liberdade, dão a impressão de que a criatura almeja o assemelhar-se ao criador. O ficcionista, onipotente enganador, sendo criador de todas as coisas, do gelo das almas, de mundos, de todos os enganos, utopias, quimeras e realidades possíveis, não duvida que tudo isso só pode ser interpretado através de várias perspectivas. Uma perspectiva ou um horizonte impõe um "esquema”, uma tarefa mais para os futuros estudiosos da obra de Joao Câmara. Foi dito por Sidney Rocha no prefácio ao livro, uma aula de literatura comparada, sobre a ironia na pintura e na ficção do nosso autor. Dante, tantas vezes citado por Câmara nos seus escritos, usa a ironia e o mordaz (Divina Comédia) para expressar seu julgamento moral sobre os pecadores e suas punições, utilizando uma linguagem que parece elogiar o mal, mas que na verdade o condena e expõe a desgraça de quem o pratica, muitas vezes com um tom de escárnio e desdém. A ironia, de não fácil leitura em JC, seja na pintura ou na ficção, é uma ferramenta para leitor e a crítica.


Por fim, para o lançamento dessa obra, o trabalho de curadoria, rigoroso e de bom gosto, de Neném, Maria Helena Brennand e Vera Magalhães (Espaço Brennand) soube reunir em exposição as ilustrações inéditas do livro.