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PEC da blindagem, PL da anistia e memória curta

O país tem memória curta

Por Maurício Rands

Ato contra anistia e PEC da Blindagem que aconteceu neste domingo (21) no Recife

O país tem memória curta. Sempre se soube. Mas o defeito cognitivo está se agravando. No início de agosto parlamentares da direita populista autoritária ocuparam as mesas da Câmara e do Senado.

Impediram por 2 dias os trabalhos legislativos. Duas dezenas deles, mais ativos, tiveram cassação requerida à mesa. Ao invés da suspensão cautelar prevista no inciso XXX do art. 15 do regimento interno, uma manobra esfriou o assunto ao remetê-lo ao corregedor. Que, depois do embargo de gaveta, propôs ao conselho de ética apenas a suspensão dos mandatos dos deputados Marcos Pollon (PL-MS) por 90 dias e de Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Zé Trovão (PL-SC) por 30 dias. E, para os demais 14 parlamentares, a pena de mera censura. Porém quase ninguém se lembrava do motim.


Antes, outro evento de amnésia. A CPI da Covid havia pedido vários indiciamentos. Principalmente dos envolvidos na quase compra da vacina Covaxin, em contratos superfaturados com 20 milhões do doses a serem vendidas por US$ 15 quando na Índia cada dose era ofertada por U$ 1,34. O total da compra seria de 1,26 bilhão de reais. Enquanto isso a vacina da Pfzier ia sendo engavetda. Alguns dos personagens voltaram a aparecer. Desta feita, roubando os aposentados do INSS no escândalo dos descontos para entidades fantasmas.


Outro evento que saíra do foco foi a Operação Carbono Oculto. Gente do crime organizado explorando o mercado de combustíveis. Comprando destilarias, refinarias e postos de combustíveis. Com dinheiro investido em fundos financeiros adminstrados desde a Faria Lima. Alguns personagens do escândalo anterior novamente envolvidos, inclusive um célebre advogado que adorava exibir no Insta a sua adega com rótulos que outros amantes do bom vinho com eles apenas sonham.


No ritmo frenético dos abutres do erário, o país tomou conhecimento da denúncia do piloto de avião que acusou os presidentes do União Brasil e do Progressistas de serem os proprietários ocultos de 5 aeronaves que também eram usadas por personagens do crime organizado. Os dois partidos acabam de formar uma federação que é a mais forte do país, com 109 deputados federais, 15 senadores, 1.335 prefeitos, 7 governadores, R$ 953,8 milhões em fundo eleitoral e R$ 197,6 milhões em fundo partidário.
Tudo isso só não caiu no esquecimento pleno porque o Brasil de hoje tem algumas instituições que cumprem o seu dever. E que procuram combater a nossa memória curta. Porque sabem que, sem a lembrança e punição dos malfeitos, o país não terá instituições sólidas. Nem desenvolvimento. Nem futuro.

O jornalismo profissional é uma dessas instituições essenciais. Como vimos numa mesa redonda da Globo News, na semana passada. Nela as jornalistas Natuza Nery e Maria Cristina Fernandes desmontaram o argumento do colega Joel Pinheiro da Fonseca que tentara passar pano na PEC da blindagem. Com dados, as jornalistas mostraram que esses recentes episódios de corrupção estão sendo investigados e envolvem parlamentares diretamente ou porque atuaram como padrinhos de contratos escusos com os poderes públicos. E que, juntamente com os desvios de emendas parlamentares, estão sendo investigados sob a supervisão de magistrados como Flávio Dino. Não precisavam desenhar, para entendermos que é disso que procuram se proteger os parlamentares que aprovaram a PEC da blindagem à bandidagem. Não tiveram sequer o pudor de acusar indiretamente alguns presidentes de partidos ao incluí-los entre os beficiários do habeas corpus preventivo e salvo conduto que inventaram para esses chefes partidários. Quando negociaram o fim da ocupação das mesas da Câmara e do Senado, obtiveram a promessa de Hugo Mota de levar à votação e aprovação a PEC da blindagem e o PL da anistia, agora rebatizado de PL da dosimetria. Como se reduzir as penas que foram aplicadas aos réus da trama golpista não representasse modalidade de anistia, ainda que parcial e restrita. Esses parlamentares priorizaram a PEC da blindagem e estão obtendo a anistia embrulhada como se fosse mera mudança do tamanho das penas. Ambas são interligadas. Até porque os réus e personagens são os mesmos. Eles sabem o que fizeram no verão passado. E sabem que, somente nos inquéritos em curso na Polícia Federal sob a supervisão do ministro Flávio Dino, já estão envolvidos cerca de 72 parlamentares. Disso também sabem as centenas de milhares de pessoas que neste dominog foram às ruas das grandes cidades para se manifestar contra o PL da anistia/dosimetria e contra a PEC da blindagem.

 

Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford