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Tamandaré: Pérola do Litoral ou Cidade à Deriva?

Tamandaré, joia rara do nosso litoral, deveria ser sinônimo de orgulho, beleza preservada e desenvolvimento equilibrado

Por Belize Câmara Correia

Praia de Tamandaré fica no Litoral Sul

Tamandaré, joia rara do nosso litoral, deveria ser sinônimo de orgulho, beleza preservada e desenvolvimento equilibrado. Porém, o que temos visto é justamente o oposto: um crescimento urbano desordenado, marcado por ilegalidades que se arrastam há anos e que hoje colocam em risco não só o meio ambiente, mas também a qualidade de vida de toda a população.


Não se trata de mera impressão. Uma investigação detalhada do Ministério Público revelou que, desde 2012, Tamandaré não revisa seu Plano Diretor, contrariando a lei federal que exige atualização periódica. Em vez de planejar o futuro da cidade, optou-se por uma sequência de mudanças fragmentadas e casuísticas na legislação urbanística, quase sempre atendendo a interesses específicos e desconsiderando o conjunto da cidade. Alteraram-se índices de ocupação, alturas máximas e limites de proteção ambiental sem estudos técnicos e sem ouvir a população — algo que a lei exige de forma clara.


Some-se a isso outro problema gravíssimo: a ausência do Conselho Municipal de Desenvolvimento e Política Urbana. Previsto desde 2002, jamais saiu do papel. Resultado? Uma gestão urbana sem participação democrática, sem transparência e sem diálogo com quem mais deveria ser ouvido: os cidadãos de Tamandaré.


Não bastasse, uma auditoria do Tribunal de Contas constatou um padrão repetido e preocupante: ruas, praças e áreas verdes sendo desafetadas e transferidas irregularmente, muitas vezes sem licitação, sem justificativa de interesse público e, em certos casos, com sinais de subavaliação. É o patrimônio coletivo sendo tratado como se fosse de poucos.


As consequências estão à vista de todos. Quem visita a Praia dos Carneiros — outrora cartão-postal de beleza intocada — percebe os impactos da ocupação acelerada: construções avançando sobre áreas de preservação, supressão de vegetação nativa, maior risco de erosão costeira e pressão sobre serviços públicos como saneamento e abastecimento de água. Até a paisagem da igrejinha dos Carneiros, símbolo de Pernambuco, já sente os efeitos do crescimento sem freios.


Diante desse cenário, o Ministério Público levou ao Judiciário uma Ação Civil Pública com medidas emergenciais para conter a degradação: suspensão de licenças baseadas em leis ilegais, revogação de normas urbanísticas questionáveis e exigência de cronograma imediato para a revisão do Plano Diretor.

Entretanto, a Justiça decidiu não conceder liminar, entendendo que não havia urgência comprovada.
Aqui reside um ponto central de debate. Afinal, até quando vamos admitir que a ausência de planejamento seja tolerável apenas porque o problema se arrasta há anos? O fato de a irregularidade ser antiga não a torna menos grave. Pelo contrário: a cada dia, novos empreendimentos surgem sob bases frágeis, consolidando situações de difícil reversão. O risco é claro: transformar Tamandaré em uma cidade à deriva, incapaz de suportar seu próprio crescimento.


Não é possível que a complexidade técnica ou a morosidade política sirvam de desculpa para a inércia. O tempo corre contra nós, e o que está em jogo não é apenas a legalidade urbanística, mas o futuro de um patrimônio que pertence a todos os pernambucanos.


Por isso, é hora de a população se engajar. A defesa de Tamandaré não é apenas uma tarefa do Ministério Público ou do Poder Judiciário. É também dever de cada cidadão acompanhar, cobrar e participar. Não podemos assistir passivamente ao risco de perder uma das pérolas mais valiosas do nosso litoral.


O Ministério Público, por sua vez, seguirá firme. Defender um planejamento urbano justo, técnico e participativo não é uma opção: é uma obrigação. Tamandaré merece mais do que crescer — merece crescer com ordem, sustentabilidade e respeito à sua identidade.

*Promotora de Justiça e Coordenadora do Centro de Apoio de Defesa do Meio Ambiente do MPPE e do GACE Praias