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Oásis produtivo: a fruticultura como transformação do semiárido pernambucano

O berço da irrigação, que começou com o pioneirismo do Projeto Bebedouro, moldou a economia de Petrolina

Por Marlon Júlio

Empresário petrolinense Francisco Nunes, mais conhecido como Chiquinho do Muquém

"Médici garante os incentivos da Sudene”. A matéria do Diario em 18 de janeiro de 1970 dizia que o governo do então presidente não permitiria "nenhuma investida" contra os incentivos destinados ao desenvolvimento do Nordeste. Um dos intertítulos da notícia ressalta a visita de ministros do Interior e da Agricultura à Petrolina, no Sertão do estado. "Conhecer Bebedouro", dizia o destaque sobre o interesse em inteirar-se do primeiro projeto de irrigação no semiárido pernambucano.

O que era seca virou progresso. Hoje, o Sertão é responsável por 12% do Produto Interno Bruto (PIB) de Pernambuco e o São Francisco Pernambucano detém metade desta participação. Do PIB sertanejo, a Fruticultura Irrigada contribui com 37%.

A matéria registrou o entusiasmo dos agrônomos com o potencial de fruticultura que o projeto poderia gerar, mesmo tendo um custo de investimento considerado elevado. "Em Bebedouro, os ministros ouviram amplas informações sobre os resultados do projeto de irrigação, principalmente pela exposição do agrônomo Neli Régis, que assegurou às autoridades que com duas safras de uva ali colhidas, o Projeto Bebedouro estaria autofinanciado, com renda total de 14 milhões de cruzeiros novos e um resíduo de lucro calculado em torno de 14 milhões e 500 mil".

Dois dias depois, em 20 de janeiro de 1970, o Diario noticiava que a visita já tinha rendido frutos. "Ministro dinamizará a agropecuária", destacava a matéria sobre um plano de dinamização da agropecuária nacional, envolvendo recursos orçamentários e exteriores. O texto acrescentava que havia a promessa de um projeto de desenvolvimento da região do Vale do São Francisco, um pedido a ser levado ao Banco Mundial. Dali a um mês, em 14 de fevereiro, o DP noticiava dois financiamentos que totalizavam US$ 55 milhões: um para o desenvolvimento da indústria nordestina; outro para finalmente fortalecer a agricultura e pecuária na região. O presidente do Bird, Robert MacNamara, teria ficado impressionado ao visitar o Projeto Bebedouro e se interessou pela ampliação da agricultura no Vale do São Francisco.

Hoje, 55 anos depois, os projetos de irrigação mantidos pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), antiga Suvale, se estendem por cinco estados: Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe. Sendo 39 empreendimentos, que alcançaram, no último ano, 4,42 milhões de toneladas de itens agrícolas, e R$ 8,15 bilhões em valor bruto de produção. Além de gerarem mais de 350 mil empregos diretos, indiretos e induzidos.

 

Água e desenvolvimento 


A determinação em desafiar as condições climáticas adversas no Sertão, iniciada em Bebedouro, um dos primeiros projetos públicos de irrigação no país, transformou o cenário de êxodo rural em Petrolina. O município, que de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possuía 60 mil habitantes na década de 1970, viu sua população crescer e se aproximar de 400 mil moradores, de acordo com o censo de 2022.

A cidade que originalmente era conhecida como "Passagem de Juazeiro", por estar localizada na margem do rio oposta à cidade baiana, ganhou protagonismo com o desenvolvimento da fruticultura irrigada.

"Hoje, no semiárido, você tem a capacidade de produzir uva, manga, goiaba, acerola e frutas que não são carros-chefe, mas que estão em desenvolvimento, como cacau e mirtilo, maçã e pêra. São muitas produções que nos orgulham e dão essa referência para o Vale do São Francisco ser o maior polo de fruticultura do Brasil", frisa o superintendente da 3ª Regional da Codevasf, Edilazio Wanderley.

Petrolina possui mais dois projetos: o Pontal, o mais moderno, e o Nilo Coelho. Wanderley revela que mais da metade das áreas destinadas à irrigação do projeto foi implantada, mas, para ser totalmente finalizado, o Pontal necessita de mais investimentos.

O Nilo Coelho, projeto que leva o nome do ex-senador e governador biônico de Pernambuco, é o maior em extensão no município, tendo cerca de 24 mil hectares implantados, além de ser o mais produtivo. “Os projetos públicos de irrigação da Codevasf, no ano de 2024, tiveram um número de R$ 8,15 bilhões em valor bruto de produção. Mas para se ter ideia, os três projetos que são implantados na parte pernambucana do Vale do São Francisco, em Petrolina, contribuíram com R$ 5,7 bilhões desse valor. Só o Nilo Coelho contribuiu com 5,3 bilhões", pontua Wanderley.

O gerente regional de irrigação e operações da Codevasf-3ªSR, José Costa Barros, explica que a importância do Nilo Coelho vai além da capacidade de produção. "Além de abrigar uma geração de mais de 90 mil empregos, ele representa 20% do PIB (Produto Interno Bruto) de Petrolina. O projeto também atende outros municípios que captam água dele. A Compesa é nossa usuária, ela capta água do Nilo Coelho e leva água para Afrânio, que está a 140 km de Petrolina, e Dormentes, que se distancia 40 km de Afrânio. Então sai água para atender comunidades que estão a cerca de 200 km do Nilo Coelho", conta.

 

 

Crise e reaproveitamento da água 


Há dez anos, o Rio São Francisco enfrentava uma redução drástica do seu volume, ocasionado pela escassez de chuvas em um contexto de seca severa no Sertão. O gerente regional de irrigação e operações da Codevasf-3ªSR conta que o período de maior desafio hídrico ocorreu no ano de 2015. "Nós tivemos em 2015 uma crise que vinha se arrastando há quase 7 anos, com baixa precipitação na área da bacia do Rio São Francisco, onde o lago de Sobradinho, que é o maior lago de todo o sistema, representando 60% da capacidade de reserva de água do rio, alcançou apenas 1% do volume útil", afirma José Costa Barros.

Ele explica para atenuar as dificuldades na captação da água do rio, visto que a estação de bombeamento estava ameaçada de não conseguir captar a água, o Governo Federal investiu mais de R$ 30 milhões em medidas, como a instalação de flutuantes para garantir a segurança hídrica para o Nilo Coelho.

Para um melhor aproveitamento da água, a Agência Nacional de Águas (ANA) determina que os perímetros irrigados utilizem o sistema de irrigação localizada. José conta que 98,99% do Nilo Coelho utiliza esse sistema.

O sistema de irrigação localizada pode ocorrer por gotejamento, microaspersão e o gotejamento subsuperficial. No gotejamento, é aplicado água pontualmente próximo às raízes da planta. Na microaspersão, se utiliza pequenos emissores para umedecer uma área maior. Já no gotejamento subsuperficial, a água é aplicada diretamente abaixo da superfície do solo. O método aplicado depende das necessidades de irrigação da fruta ou hortaliça.

 

De produtor a empresário


Nascido em 1968, data em que iniciou-se as primeiras movimentações do Projeto Bebedouro, Francisco Nunes, mais conhecido como Chiquinho do Muquém, conta que nasceu em uma família de fruticultores. "Meu pai foi produtor pioneiro na agricultura irrigada aqui do Vale do São Francisco, no projeto Bebedouro, ele assumiu o lote no ano de 1968, foi exatamente no ano que eu nasci, e aí a gente foi crescendo junto e o tempo todo foi com ele na roça".

Chiquinho conta que seu primeiro contato com a fruticultura irrigada iniciou-se ainda na infância. "Eu acho que eu tinha 10 anos de idade, a gente já plantava melancia, melão, feijão, abóbora. Já comecei na agricultura desde novinho. E aí depois estudei, me formei em técnico em agropecuária e fui dar assistência a alguns produtores no Projeto Bebedouro".

Após dar assistência em algumas fazendas, ele revela que conquistou seu primeiro lote, de 2 hectares, através de um concurso da Codevasf. "Começamos com goiaba e coco, depois implantamos uva", relembra. E o que era dois hectares se tornou 80, com áreas em todos os perímetros irrigados de Petrolina, que empregam diretamente por volta de 300 pessoas. Com o acréscimo de lotes, aumentou também as responsabilidades, Chiquinho conta que na transição de produtor para empresário, precisou se adaptar às normas internacionais.

"Agora estou fazendo basicamente uva para exportação. Então, para exportar, a gente é obrigado a se enquadrar em várias exigências internacionais. Precisei migrar de CPF para CNPJ, algumas mudanças que a gente vem fazendo ao longo do tempo, no dia a dia".

As uvas produzidas por Chiquinho atendem tanto aos mercados interno e externo. "No mercado interno, trabalhamos com a marca Mimo, que está presente em praticamente todos os estados brasileiros. Exportamos para países europeus, Canadá, Estados Unidos e, em determinado período, para a Argentina".

Medidas sustentáveis também estão presentes, como o uso de tecnologias para melhor aproveitamento da água. “A gente trabalha hoje com um dos modelos de irrigação mais modernos do mundo, que é a irrigação por gotejamento 100% automatizada, onde eu faço todas as minhas adubações via fertirrigação, a planta recebe todos seus nutrientes via água, como se fosse soro na veia”. Outra questão adotada, é a redução de agrotóxicos”, afirma.

Chiquinho destaca que a busca pelo aperfeiçoamento foi fundamental para a ascensão na carreira, o que o levou a se formar em Agronomia em 2021. “Eu era técnico em agropecuária, já era capacitado para trabalhar com agricultura, com irrigação e drenagem. Mas, a Agronomia ajudou a me aperfeiçoar e enquadrar nas normas, leis de exigência internacional para exportação e no uso de produtos naturais que não agridam o homem, o meio-ambiente e os animais", reflete.

Atualmente, o empresário trabalha com nove variedades de uvas patenteadas, que permitem de duas a três safras no ano, “Nós produzimos nove variedades de uvas patenteadas. Em variedades que possuem ciclo curto, a gente consegue fazer duas e meia ou até três safras durante o ano”, conta.

 

 

Exportações


Pernambuco foi o estado brasileiro que mais exportou frutas no ano de 2024. De acordo com dados da Associação de Produtores e Exportadores de Frutas (Abrafrutas), a contribuição do estado totalizou o valor de US$ 307,2 milhões. Destacaram-se as exportações de manga e uva, com mais de 165 mil toneladas e de 40 mil toneladas vendidas, respectivamente.

Economista e professora Titular da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Ana Paula Amazonas ressalta a participação dos municípios que compõem o perímetro irrigado nas exportações do estado, que tem média de 12% ao ano durante o período de 1997 e 2024.

"Em termos de produtos da fruticultura, não devemos apenas pensar nas frutas in natura, como manga e uva, há também os derivados, como o suco de frutas, não fermentados, sem adição de álcool, que teve uma expansão antes de 2015 e que manteve sua participação estável nos últimos anos, o que reflete em aumento. Olhando apenas para os produtos advindos da fruticultura irrigada e seu destino, ela detém ou já deteve relação de comércio internacional com 65 países. Os países em destaque seriam os Países Baixos (5,3%), o Reino Unido (1,8%) e os Estados Unidos (1,7%) com participações médias no total exportado pelos municípios no período de 1997 a 2024. Destacaria ainda países como Canadá, Espanha, Alemanha e França, que são destacados pela sua frequência de compra e sua maior participação em relação aos demais", analisa.

Há uma correlação entre o aumento das áreas irrigadas e o crescimento das exportações de frutas, mas Ana Paula afirma que o mais importante está na melhora dos padrões de tecnologia de plantação. "O combate às pragas e o uso de programas de controle biológico que aumentam a produção, além de serem menos impactantes ao meio ambiente e tem grande aceitação no mercado internacional. Outro ponto importante é que os empresários da região estão sempre de olho no mercado. Realizam investimentos, com recursos públicos ou privados, para a implementação de novos ou melhorados produtos", avalia a professora.

Sobre o futuro das exportações, a economista acredita em crescimento e reinvenção. “A dinâmica de negócios da região tem facilidade e perseverança para mudar, quer seja com a implementação de novas tecnologias, quer seja com o apoio para a comercialização através das políticas públicas de apoio ao comércio internacional, quer seja pela expectativa de retorno dos investimentos. O importante destaque, para além da resiliência dos produtores, é a capacidade de buscar mercados, se adaptar e dar uma resposta".