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O voto feminino: uma conquista marcada por lutas e resistências

Direito recente: somente em 24 de fevereiro de 1932, 38 anos depois, as mulheres brasileiras tiveram reconhecido o direito do voto nas eleições do país

Por Mariana de Sousa

O Código Eleitoral de 1932 só permitia mulheres casadas com o aval do marido ou as viúvas e solteiras com renda própria votassem ou fossem votadas

Ao longo de 200 anos, o Diario de Pernambuco acompanhou transformações importantes da democracia brasileira e pernambucana, entre elas a conquista do voto feminino e a Campanha Diretas Já, que encerrou o período da Ditadura Militar após 24 anos do regime.

O direito ao voto feminino é mais recente do que se imagina. Na democracia brasileira, o primeiro pleito com voto direto da população aconteceu em 1894, mas somente em 24 de fevereiro de 1932, 38 anos depois, as mulheres brasileiras tiveram reconhecido o direito do voto nas eleições do país, por meio do Decreto nº 21.076, instituído no Código Eleitoral pelo presidente Getúlio Vargas.

A primeira eleitora do Brasil votou antes de 1932. Os arquivos do Diario falam da professora Celina Guimarães Viana como a primeira mulher registrada a votar no país, ainda em 1927, na cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte. Celina foi a primeira mulher eleitora no Brasil como também na América Latina, o que fez sua inscrição eleitoral repercutir mundialmente.

Na edição de 27 de outubro de 1977, o Diario recordou: “A primeira mulher a votar foi Celina Guimarães, no dia 11 de novembro de 1927, nesta cidade, conforme documento datado em 5 de novembro”.

“Para que “Dona Celina”, como era conhecida, pudesse votar naquele dia, foi necessário a autorização do delegado de polícia e do diretor em exercício na escola normal de Mossoró, professor Antônio Fagundes. A inscrição do título de Celina, que recebeu o número 2124, foi firmada pelo bacharel Israel Ferreira Fagundes, Juiz de direito substituto. Junto com dona Celina, outras mulheres votaram nesse dia na 34ª zona, hoje funcionando uma cadeia pública. Também votaram Eliza Rocha Gurgel e Beatriz Leite de Moraes”.

De acordo com Soraia de Carvalho, professora e coordenadora do Núcleo de Documentação sobre os Movimentos Sociais da UFPE, mesmo antes de 1932, algumas brasileiras já estavam atentas às ideias de igualdade e emancipação.

“No Brasil Império houve tentativas de reformas eleitorais que incluíssem as mulheres, ainda que com restrições, mas não obtiveram sucesso. As mulheres procuravam se organizar e influenciar as decisões políticas, criando jornais para difundir a causa sufragista, como o periódico A Família, encabeçado pela professora Josefina Álvares de Azevedo, em 1888”.

A historiadora ainda lembra que na Constituição de 1891, após a Proclamação da República, políticos aliados da causa tentaram apresentar emendas que garantissem o voto feminino, no entanto não obtiveram adesões.

Na edição de 18 de março de 1931, o Diario reportou uma entrevista do então presidente Getúlio Vargas, concedida ao Correio da Manhã, onde destaca sua posição favorável ao voto feminino.

"Reiterando depois as affirmações do sr. Baptista Luzardo, quanto ao voto feminino, disse o entrevistado que a mulher brasileira conquistou esse direito, pelo papel saliente que tomou na propaganda da Revolução. O governo, entretanto, não pretende impor o seu pensamento, dependendo tambem da acceitação que tenha o projecto, na opinião nacional, a qual, segundo pensa s. excia., é favorável".

O Código Eleitoral de 1932 só permitia mulheres casadas com o aval do marido ou as viúvas e solteiras com renda própria votassem ou fossem votadas. Essas determinações só foram retiradas no Código de 1934, mas o voto feminino continuou a ser facultativo, com a obrigatoriedade apenas para eleitores homens.

Somente em 1946 o voto também passou a ser obrigatório para as mulheres. Na edição do dia 06 de janeiro de 1933, o Diario também registrou a admissão da primeira eleitora pernambucana, a cantora Celina Nigro, para votar e ser votada.

“Como é sabido, a legislação eleitoral decretada pelo Governo Provisório instituiu o voto feminino, dando às mulheres capacidade eleitoral ativa e passiva. Em Pernambuco, a primeira representante do belo-sexo que solicitou a sua admissão no alistamento eleitoral do Eslado foi a aplaudida virtuose do canto senhorita, Celina Nigro que se acha qualificada desde 28 de dezembro último”.

Ao lado de Celina, as escritoras pernambucanas Martha de Hollanda e Edwiges de Sá Pereira são destacadas como pioneiras do estado na luta pelo direito de voto das mulheres.

Após conquistarem o direito de votar e serem votadas, as precursoras do feminismo no Brasil deram início a uma nova etapa na luta por representação política. Soraia lembra que em 1933, Bertha Lutz, Leolinda Daltro e outras cinco mulheres se candidataram à Assembleia Constituinte. Entre elas, somente Bertha conquistou a suplência, resultando na Constituição de 1934, a primeira a reconhecer oficialmente o direito ao voto feminino no país.

Na edição de 7 de novembro de 1934, o Diario escreveu "candidata do feminismo nacional organizado a uma cadeira na deputação federal, Bertha Lutz ha de levar a vitória completa a causa da mulher patrícia", e na edição de 23 de novembro de 1934, confirmou sua vitória com o "Resultado do pleito de 14 de outubro no Districto Federal": "Bertha Lutz, autonomista, com 34.925".

No Recife, Soraia destaca o marco dessa nova fase com a eleição de Júlia Santiago da Conceição, em 1947, operária têxtil e militante comunista, como a primeira vereadora da cidade. Sua trajetória simboliza a força e a persistência feminina na construção de um espaço político mais plural e igualitário. No Diario, na edição de 13 de novembro de 1947, Julia aparece entre os “candidatos que podem considerar-se eleitos á Camara Municipal do Recife”.

Com o legado dessas pioneiras, hoje enxergamos nomes como Dilma Rousseff, primeira mulher presidente do Brasil, no cargo de 2011 até seu afastamento por um processo de impeachment em 2016, e Raquel Lyra, primeira mulher a ocupar o cargo de governo de Pernambuco, que simbolizam avanços da atuação feminina na política brasileira herdadas da luta pela igualdade do direito ao eleitorado.

A campanha das Diretas Já e o movimento de massas

A campanha das Diretas Já também se destaca na história eleitoral do Brasil. A mobilização do povo pela redemocratização brasileira após os anos da Ditadura Militar foi o primeiro grande movimento de massas do país, de acordo com o historiador e educador popular Eduardo Nunes.

Com início registrado em março de 1983, o Diario de Pernambuco documentou o começo efetivo da campanha que mudou o rumo político do país. Milhões de brasileiros ocupavam as ruas pedindo um “regime efetivamente democrático e o direito de votar para presidente”, diz o historiador.

Em 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, em São Paulo, pessoas pediam a implementação do voto popular para a escolha do chefe do Poder Executivo. Na capa da edição de 26 de janeiro de 1984, com o título "PT tumultua comício em SP e Montoro é vaiado, o Diario noticiou o evento: "Mais de 100 mil pessoas participaram, ontem, na Praça da Sé, do comício pelas eleições diretas para a Presidência da República. Grupos ligados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) tumultuaram a parte final da concentração vaiando o governador Leonel Brizola. As polícias Militar e Federal calcularam a multidão em 120 mil, enquanto os organizadores em 420 mil."

O especialista destaca que o movimento cresceu rapidamente e atingiu seu auge em 1984, com a tramitação da Emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para a Presidência da República. Registrada no Diario na edição de 09 de fevereiro do ano:

“A frente municipalista pelas diretas e pela Constituinte levará prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e políticos de todos os Estados a Brasília, no dia 11 de abril, para pressionar o Congresso pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que reestabelece as eleições diretas para presidente da República”.

Nos anos 1980, Nunes destaca que o país viveu um período de “muita efervescência política”, com o retorno das mobilizações coletivas após anos de repressão da ditadura, unindo forças políticas diversas, muitas delas antagônicas.

Os comícios da campanha das Diretas reuniram multidões com a presença massiva de artistas, trabalhadores e lideranças políticas que viriam a ocupar cargos relevantes nas décadas seguintes, como Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.

Na edição de 27 de janeiro de 1984, o Diario reportou o comício no Largo do Amparo, em Olinda, naquele mesmo dia. "Pelo menos 30 mil pessoas participarão do comício desta noite, no largo do Amparo, em Olinda, em favor das eleições diretas, segundo estimativa dos organizadores do ato. Quinze oradores estão inscritos, entre os quais Ulisses Guimarães, Luís Inácio da Silva (Lula), e os governadores do Rio de Janeiro, Leonel Brizola; de Minas Gerais, Tancredo Neves; e de São Paulo, Franco Montoro”.

Pernambuco pioneiro

Embora não registrado pelo Diario na época, em Pernambuco, a cidade de Abreu e Lima foi palco do primeiro ato público em favor da campanha de votar para presidente da república, lembra Nunes. Organizado por quatro vereadores do município, Reginaldo Silva, Severino Farias, Antonio Amaro Cavalcante e José da Silva Brito, presidente da Câmara Municipal da época, o ato pioneiro aconteceu na Praça da Bandeira, no dia 31 de março de 1983, exatamente no mesmo dia que os militares comemoravam o golpe de 1964.

O historiador ainda destaca que o estado nordestino também foi terreno para o surgimento de grandes lideranças políticas e populares que se engajaram no movimento e mais tarde ocuparam espaços de poder.

“Miguel Arraes, Jarbas Vasconcelos, o próprio Roberto Magalhães, que, mesmo com uma perspectiva mais à direita, apoiou o movimento no primeiro momento, além de João Paulo e Elimar Silva, todos participaram efetivamente dessa mobilização”, lembra o historiador.

Na edição de 7 de junho de 1984, o Diario reporta com o título "Defensores do pleito direto reúnem-se para realização de comício", a reunião de integrantes do Comitê Pernambucano Pró-Diretas, na Assembleia Legislativa do estado, com a finalidade de "ultimar os detalhes da realização do comício pelas eleições diretas".

"O deputado Jarbas Vasconcelos - foi confirmado ontem - estará na concentração na qualidade de presidente da Comissão Mista do Congresso que examina a Emenda Constitucional nº 11". "Jarbas Vasconcelos continua sua jornada brasileira, conversando com a sociedade sobre os melhores rumos para a sucessão presidencial".

Em Pernambuco, a importância histórica do ato na cidade de Abreu e Lima foi reconhecida pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), instituindo em Pernambuco o Dia das Diretas Já, em 31 de março, através da aprovação do Projeto de Lei Ordinária (PL) n° 395/2023, apresentada pelo deputado João Paulo (PT), com coautoria dos dos parlamentares Doriel Barros (PT), Rosa Amorim (PT), Dani Portela (PSOL), Rodrigo Novaes (PSB) e Waldemar Borges (PSB).