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O Brasil está neste diário desde o Império

Mesmo enquanto ainda era um periódico de anúncios, o Diario já informava Pernambuco sobre a inconsistência do poder no Primeiro Reinado

Por Guilherme Anjos

Diario de Pernambuco em 1829

Faz pouco mais de 50 anos que as páginas do Diario de Pernambuco passaram a ser divididas em cadernos temáticos. Até então, desde que o grupo Diários Associados comprou o periódico – que já era centenário – as seções se misturavam nas folhas, e as reportagens eram organizadas por relevância. Mesmo sem um caderno dedicado a cobrir os bastidores e o dia a dia dos poderes, a política de Pernambuco e do Brasil já estampava as primeiras páginas deste jornal.

Entre erros e acertos, pioneirismos e omissões, o Diario relatou a Pernambuco como o país seguia em frente após cada golpe, revolta e revolução que viveu ao longo desses 200 anos. A primeira mudança de paradigmas políticos – de muitas que estariam por vir – registradas nas páginas deste jornal aconteceu justamente em 1825, ano de fundação do Diario. Em sua 43ª edição, a capa do periódico trazia a carta de lei assinada por D. João VI, rei do então Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, reconhecendo o Brasil enquanto Império independente.

É verdade, no entanto, que a instabilidade política em nível nacional era tão grande na época que as tais “mudanças de paradigma” eram relativamente constantes. O famoso (ou infame, dadas as imprecisões históricas) grito do Ipiranga de D. Pedro, que declarou a independência do Brasil, havia acontecido apenas três anos antes do nascimento do Diario.

O doutor em História Flávio Cabral, professor do curso de História na Universidade Católica de Pernambuco, explicou que o Brasil ainda não havia se entendido enquanto país, tanto que sequer o termo “brasileiro” havia sido cunhado nos anos que sucederam a independência.

“Não havia essa identidade. Para alguns, quem nascia aqui era ‘brasiliense’. ‘Brasileiro’ era quem cortava ou comercializava pau-brasil. O nosso gentílico é oriundo de uma profissão”, afirmou. Ele aponta que essa discussão foi refletida até mesmo no nome do primeiro jornal do país, o Correio Braziliense, que circulou entre 1808 e 1822.

O Império ainda sem leis se opôs aos anseios da sociedade em diversos momentos entre 1822 e 1825. Cabral conta que Pernambuco foi protagonista da primeira grande revolta da época, a Confederação do Equador, que eclodiu em 1824 justamente após D. Pedro impor sua própria constituição, centralizando o poder em si próprio, descartando as leis escritas pelos deputados eleitos e dissolvendo a Assembleia Nacional Constituinte.

A gota d’água para a província de Pernambuco – como passaram a ser chamados os estados com o fim das capitanias hereditárias – foi a deposição de Manoel Carvalho Paes de Andrade, que havia sido eleito pelo povo como presidente provincial à revelia do Imperador, que havia indicado Francisco Paes Barreto.

“Houve uma espécie de rompimento com o Rio de Janeiro [capital do Império], que muitas pessoas interpretam mal, achando que Pernambuco queria se separar. Pelo contrário, a ideia da Confederação era uma república com constituições para o Brasil inteiro. Pernambuco era protagonista”, esclareceu Cabral. O fundador do Diario, Antonino José de Miranda Falcão, participou da Confederação.

O Brasil após 1825 buscava se adaptar ao Poder Moderador de D. Pedro. Além do presidente da província, o Imperador também nomeava os juízes e outros oficiais em cada comarca de cada estado. O Poder Legislativo estadual e municipal ainda existia, mas sua autoridade era reduzida.

Os deputados até eram eleitos, mas o voto era censitário – ou seja, apenas homens brancos e ricos que não eram soldados ou sacerdotes tinham direito a escolher seus representantes. No interior da província, quem levava a lei eram as igrejas, cujos padres recebiam salário do Império para atuar como pacificadores e instauradores da ordem.

Diferente dos panfletos de Frei Caneca – líder da Confederação do Equador, que foi fuzilado meses antes deste periódico ser impresso pela primeira vez – e apesar de seu fundador ser um crítico do Império, o Diario não fazia publicações autorais de cunho político em seus anos iniciais. Em suas limitadíssimas quatro páginas, se restringia a publicar informes oficiais.

O Diario passou a engatinhar para o jornalismo por volta de 1831, diante da queda livre da popularidade de D. Pedro, que estava mais preocupado com a iminência de um golpe em Portugal do que com governar o Brasil, e a polarização entre portugueses e brasileiros.

A edição do Diario de 8 de abril de 1831 trouxe relatos diretamente da Noite das Garrafadas, manifestação contra o Imperador, em 15 de março do mesmo ano, no Rio de Janeiro. No dia da publicação, D. Pedro já havia abdicado do trono brasileiro, mas a informação só chegaria ao Recife no mês seguinte.

A notícia da abdicação de D. Pedro marcou a linha editorial do periódico na época, veiculada primeiro em um suplemento, em 4 de maio de 1831, com o trecho: “Temos a satisfação de dar a saber aos nossos caros concidadãos os felizes sucessos da capital do Império: triunfou a opinião pública. Parabéns, pernambucanos!”. Na mesma folha, veio a nomeação de D. Pedro II, de apenas cinco anos, e seus regentes.

No dia seguinte, o Diario abriu sua edição com um editorial do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, trazendo críticas pesadas a D. Pedro I. “Um príncipe mal aconselhado trazido ao precipício por paixões violentas e desgraçados prejuízos antinacionais”, escrevia o artigo.

Em novembro de 1834, o Diario de Pernambuco noticiou a morte de D. Pedro I, falecido em setembro daquele ano, em Portugal, vítima de tuberculose.

Os cabanos no Diario

O Diario de Pernambuco também cobriu as primeiras manifestações após a abdicação de D. Pedro I. A mais intensa à época, conta o historiador Flávio Cabral, foi a Guerra dos Cabanos, no Agreste do estado – um movimento conservador em 1832 que reivindicava o retorno do ex-imperador do Brasil.

“A Guerra dos Cabanos surge na região entre Panelas e Lagoa dos Gatos, quando grandes senhores de terra e de escravizados se mobilizam, como o famoso Capitão-Mor Domingos Lourenço Torres Galindo, onde hoje é Vitória de Santo Antão. Ele ganhava benesses desde a época de D. João VI. É óbvio que ficou insatisfeito com a saída de D. Pedro”, explicou o historiador.

“Ele integra um grupo chamado de regressista. Como Dom Pedro II era um menino e não podia governar, a constituição previa um governo regencial. Surgem, então, resistências, e Domingos Torres Galindo comanda, junto a outros senhores de terra do interior, uma rebelião para fomentar a volta de Dom Pedro”, complementou. Segundo Cabral, a guerra se alastrou até Alagoas e o sul do Ceará.

O historiador relata que, em suas pesquisas, utilizou o Diario de Pernambuco como fonte. O jornal trazia notícias dos postos da guerra, além da mobilização dos soldados e das baixas.