Nova onda de influenciadores derruba estereótipos sobre o Nordeste
Influenciadores nordestinos como Bia Nogueira, Cumpade Guga e Alexia Eduarda vêm ganhando destaque em redes sociais como o Tik Tok, por conta de suas opiniões e histórias sobre temas diversos. O escritor e pesquisador potiguar Octávio Santiago acredita que as plataformas digitais dão espaço para que jovens nordestinos derrubem estereótipos sobre a região.
Desde que as redes sociais se popularizaram a partir dos anos de 2000, a imagem do Nordeste árido e sofrido que se cristalizou nas mídias tradicionais vem se tornando coisa do passado. A cada nova plataforma que surge, influenciadores nordestinos conquistam mais espaço midiático na internet e apresentam a região para o Brasil a partir de novos olhares e linguagens.
Os exemplos mais recentes se concentram no Tik Tok, em que jovens como Bia Nogueira, Alexia Eduarda e Cumpade Guga apresentam narrativas nordestinas sem o filtro estereotipado dos grandes veículos de comunicação. A plataforma digital tem destacado formatos em que os produtores de conteúdo contam histórias cotidianas ou dão opinião sobre assuntos variados, cuja abordagem dos nordestinos tem chamado atenção em especial.
Até mesmo pautas políticas nacionais podem ganhar maior repercussão entre jovens brasileiros na voz de tiktokers da região. Foi o caso da escala de trabalho 6x1, que se tornou tema de um vídeo da recifense Bia Nogueira em novembro de 2024. “Meus amigos estavam conversando sobre isso na época e eu pensei em dar minha opinião na internet. Postei à noite e fui dormir, quando acordei, eu estava no X e em todo tipo de página’’, lembra ela do vídeo que hoje tem mais de 6 milhões de visualizações e a tornou famosa nas redes.
A expressão “fecha esse quiosque”, que ela usou para se referir aos estabelecimentos que não poderiam bancar uma escala de trabalho menor, virou meme e deu um tom cômico à sua abordagem sobre um assunto sério. “É como se eu estivesse genuinamente em uma chamada de vídeo com um amigo e soltasse minha opinião, sem ser de uma forma politizada, e acaba sendo engraçado. Acho que isso acontece também por eu ser recifense, usar as gírias, mas a ideia é sempre falar o que penso com muita leveza”, explica ela, que hoje soma 809 mil seguidores no TikTok.
Atualmente com 22 anos e estudante de Design na UFPE, em Caruaru, Bia já fez intercâmbio nos Estados Unidos em 2020, com bolsa do programa “Ganhe o Mundo” do Governo de Pernambuco. Essa experiência também influencia diretamente no seu conteúdo, que é marcado pelo uso de expressões em inglês, populares no site X, evidenciando um Nordeste mais cosmopolita e conectado com o mundo afora.
Histórias que conectam
Conhecido nas redes como Cumpade Guga, o arcoverdense Gustavo Cavalcanti também percebe que um público do Brasil todo se identifica com as narrativas que ele conta no Tik Tok. Entre as que fez mais sucesso está a história de uma mulher que falsificou um teste de gravidez no programa “I Love PDF” para enganar um ex-ficante, que é amigo de Guga. O relato foi tão longo que precisou ser dividido em duas partes e, somente na primeira delas, chegou a quase 7 milhões de visualizações.
“As pessoas estavam com aquele negócio de só ver um vídeo de 1 minuto. Com meus vídeos, as pessoas conseguem parar 10 minutos do seu dia ali. Isso me alegra porque mostra que os nordestinos estão se destacando com suas habilidades de comunicação e a gente está conseguindo conquistar um espaço a nível nacional que, talvez, a gente não tivesse anos atrás”, observa Guga, aos 30 anos de idade.
Formado em administração, o arcoverdense trabalhava como head hunter (caçador se talentos) de uma empresa privada do Recife, quando pediu demissão do cargo há cinco anos para se dedicar integralmente à produção de conteúdo. Porém, somente no ano passado conseguiu emplacar seu primeiro grande viral com um vídeo sobre a má experiência que teve em um restaurante da capital pernambucana, onde vive há cerca de dez anos.
“Foi uma virada de chave. Nesse momento, percebi que o meu caminho era contar histórias, comecei a falar o que eu passava de peleja e o que eu passava de coisa boa. Sem edições, sem efeitos mirabolantes, apenas contando histórias. As pessoas se conectam comigo pela forma natural que eu me expresso”, comenta Guga, que hoje tem 213 mil seguidores no Tik Tok.
A sergipana Alexia Eduarda, de 25 anos, natural da cidade de Itabaiana, conta que começou a crescer no Tik Tok no ano passado, quando reagiu a um vídeo do prefeito do Recife, João Campos. Pouco depois, a influenciadora passou a falar sobre as experiências que ela e seus amigos viviam em vários aspectos da vida. “Acho que o humor que levo é a forma como vejo a vida e a forma como conto as histórias também. Tenho muitas expressões e o pessoal acha engraçado”, diz ela, que tem 333 mil seguidores no Tik Tok atualmente.
O sotaque chama atenção e já gerou comparações com o personagem Chico Bento, da Turma da Mônica. Alexia levou a analogia na brincadeira e passou a assinar como Alexia Chico Bento nas redes sociais, pois sabe que a maioria gosta do seu jeito de falar. Porém, ainda existem algumas pessoas que lhe enviam mensagens criticando a sua expressividade.
“Sempre que faço vídeos sobre o Nordeste recebo muitos xingamentos de outras regiões. Geralmente não dou bola, mas o último respondi”, comenta ela, que sempre busca usar o espaço do Tik Tok para desfazer a visão distorcida que muitas pessoas têm da região. “Acredito que o próprio nordestino precisa de pessoas que tirem esse estereótipo. Noto que muitos artistas utilizam o mesmo padrão de nordestino, mas não é assim que funciona na realidade. Eu estou focada em mostrar que a gente é além disso”, conclui ela.
Brasil se reconhece no Nordeste
De acordo com pesquisa realizada pela Adobe em 2024, o tipo de conteúdo narrativo com que os influenciadores nordestinos vêm se destacando é um dos principais motivos para que 64% dos jovens da Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) utilizem o Tik Tok. A proporção alta de jovens que utilizam a plataforma e consomem esses materiais pode indicar uma mudança na percepção que as novas gerações estão construindo sobre o Nordeste.
“Quando nos afastamos de narrativas que nos engessam, muitas vezes sem perceber, de forma automática, o que emerge é uma identificação real. E isso acontece porque são experiências que dizem respeito ao Brasil como um todo, e não a uma região específica. Deixamos de lado o “nós” e “eles” e passamos a reconhecer histórias compartilhadas, sem fronteiras simbólicas”, analisa o jornalista e pesquisador potiguar Octávio Santiago, autor do livro "Só sei que foi assim: a trama do preconceito contra o povo do Nordeste".
Lançada neste ano, a publicação é resultado da sua pesquisa de doutorado em Ciências da Comunicação, na Universidade do Minho, em Portugal. Na obra, ele investiga as raízes do imaginário contra a região e indica que o eixo centro-sudeste-sul do Brasil tradicionalmente se incomoda com o nordestino que quer e consegue sair do lugar menor no qual foi inserido no imaginário nacional. No entanto, ele acredita que o sucesso de jovens nordestinos nas redes sociais pode apontar para um novo momento.
“Se hoje o que atrai o público é o conteúdo bem construído, reflexivo e com densidade, então já estamos diante de uma virada de página. Uma virada que também é política. Somos acusados de não ter acesso à educação formal, de depender exclusivamente de programas sociais. Mas agora somos também reconhecidos pela excelência: estamos entre as maiores notas do Enem, produzimos ciência, ocupamos espaços de análise e debate, inclusive com humor, sim, mas também com profundidade. Tudo isso confronta e desmonta os estereótipos que por tanto tempo nos foram impostos”, avalia Octávio.