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ANTÁRTIDA ORIENTAL

Aquecimento global começa a derreter o Eais, o maior manto de gelo da Terra

Publicado em: 11/08/2022 09:10

 (Foto: Richard Jones/Divulgação)
Foto: Richard Jones/Divulgação
Na região mais meridional do planeta, existe um gigante de gelo adormecido. Assim tem permanecido nos últimos milhares de anos e, até pouco tempo atrás, acreditava-se que nada o faria acordar. Porém, cientistas descobriram que ele está despertando. O aquecimento global começa a acordar o maior manto gelado do planeta. Se nada for feito para evitar que o aumento de temperatura ultrapasse os 2ºC, como definido pelo Acordo de Paris, 52m de água congelada poderão derreter. A consequência mundial seria catastrófica.

Um estudo publicado, ontem, na revista Nature confirma o que já havia sido constatado em 2020: o manto de gelo da Antártida Oriental (Eais), na parte leste do continente gelado, sofre mais perturbação do que se imaginava. Agora, porém, os pesquisadores calcularam como o derretimento impactaria o aumento do nível do mar, um problema que já está em curso devido ao descongelamento de outras geleiras. Até 2300, o desmantelamento do gigante resultaria em um acréscimo de volume entre 1,5m a 3m nos oceanos. A situação em 2500 seria ainda pior: 5m a mais. Entre outras consequências, ilhas e países inteiros seriam engolidos.

O Eais compreende 80% de todo o gelo do planeta. "É tão grande que, em algumas partes, a espessura chega a 4km", conta Chris Stokes, professor da Universidade de Durham, no Reino Unido, e principal autor do estudo. Se, hipoteticamente, o manto derretesse da noite para o dia, o mar amanheceria 52m mais profundo. "Claro, isso não vai acontecer", esclarece Stokes. Mas o descongelamento contínuo impulsionado pelo aumento de temperatura adicionará mais água do que a costa dos continentes pode suportar.

"Estávamos interessados em saber o quão estável é o Eais porque, por muito tempo, os cientistas acreditaram que, comparado à Antártida Ociental e à Groenlândia, haveria maior estabilidade. Então, talvez, não precisássemos nos preocupar tanto com ele em um cenário de aquecimento", diz o pesquisador. "Mas, no estudo, olhamos para ocasiões do passado em que o clima estava apenas um pouco mais quente que agora e vimos a reação do Eais. Descobrimos que ele retraiu e que, em alguns casos, essa retração foi dramática, contribuindo com um aumento no nível do mar de 5m a 10m."

Torres na Antártida Oriental: se o gelo derretesse de uma só vez, o mar ficaria 52m mais profundo -  (Foto: Nerilie Abram/Divulgação)
Torres na Antártida Oriental: se o gelo derretesse de uma só vez, o mar ficaria 52m mais profundo - (Foto: Nerilie Abram/Divulgação)

Instabilidade
 
A lição do passado é a de que o manto de gelo não é tão estável como se pensava, destaca Stokes. Além disso, os pesquisadores analisaram observações de satélite que comprovaram: nas últimas décadas, houve uma diminuição visível da capa de gelo. "Aqui, temos alguns sinais alarmantes porque, enquanto a maior parte da camada gelada parece estável, algumas partes estão se retraindo e afinando, contribuindo para o aumento do nível do mar tanto quanto a Antártida Ocidental e a Groenlândia", destaca. Por isso, mesmo que apenas algumas partes do Eais vire água, isso será suficiente para agregar volume aos oceanos.

De acordo com Stokes, uma das conclusões mais importantes do estudo é a de que o destino do gigante gelado não está ainda definido. Simulações computacionais demonstraram que, em cenários de baixa emissão de gases de efeito estufa, que fazem a temperatura subir, provavelmente o Eais permanecerá intacto. Para isso, é preciso atingir as metas definidas no Acordo de Paris, em 2015: limitar o aquecimento a 2ºC e, preferencialmente, 1,5ºC, até o fim do século, tendo como base os níveis pré-industriais.

O problema é que, segundo a Organização Meteorológica Mundial, organismo das Nações Unidas, o ritmo atual das emissões aponta para um cenário de aumento entre 2,5ºC e 3ºC. Desde o início da industrialização, o globo está 1,1ºC mais quente, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). "Alcançar e fortalecer nossos compromissos com o Acordo de Paris não apenas protegeria a maior camada de gelo do mundo, mas também retardaria o derretimento de outras grandes camadas de gelo, como a Groenlândia e a Antártida Ocidental, que são mais vulneráveis ao aquecimento global", destacou, em nota, Nerilie Abram, da Universidade Nacional da Antártida em Camberra (Austrália) e coautora do artigo.

Menor impacto é possível
 
O manto de gelo da Antártida Oriental é a maior massa de gelo da Terra, contendo equivalente a mais de 50m do nível do mar. A maioria dos cientistas esperava e assumiu que ele é estável. Esse estudo analisa cuidadosamente como o Eais se comportou em períodos quentes do passado e mostra o que os modelos dizem que acontecerá no futuro. A boa notícia é que, se mantivermos os 2ºC de aquecimento global que o acordo de Paris promete, a elevação do nível do mar devido ao (derretimento) do manto de gelo da Antártida Oriental deve ser modesta. No entanto, se as emissões de gases de efeito estufa não forem controladas, existe o risco de que mesmo o muito frio Eais comece a recuar e possa contribuir com muitos metros de elevação do nível do mar nos próximos séculos. O estudo enfatiza que manter as emissões sob controle agora pode evitar um aumento desastroso do nível do mar para as gerações futuras",

Eric Wolff, pesquisador climático da Universidade de Cambridge, no Reino Unido
 
Foco nos eventos extremos combinados
 
 (Foto: Sean BLOCKSIDGE / WESTERN AUSTRALIA DEPARTMENT OF FIRE AND EMERGENCY SERVICES / AFP)
Foto: Sean BLOCKSIDGE / WESTERN AUSTRALIA DEPARTMENT OF FIRE AND EMERGENCY SERVICES / AFP
 
 
Eventos simultâneos de calor extremo e seca podem causar efeitos colaterais em diversas áreas, da saúde à economia, segundo pesquisadores da Universidade de Zurique, na Suíça. Em um artigo publicado na revista Plos, os cientistas avaliaram a combinação de fenômenos como ondas de altas temperaturas, escassez de água e incêndios florestais na Europa, Austrália e África, ocorridos nos últimos 20 anos, e afirmam que, além de intensificar os esforços e os investimentos na adaptação a essa nova realidade, será necessária uma cooperação intersetorial e, cada vez mais, global.

Os pesquisadores analisaram oito eventos extremos de calor e seca nos três continentes. Além de examinar as consequências diretas e indiretas para diversos setores e sistemas, eles estudaram o impacto das respostas aos fenômenos. "As perdas financeiras, por exemplo, podem ser substanciais", diz Laura Niggli, primeira autora do estudo. Nos incêndios florestais australianos de 2019/2020, as perdas chegaram a aproximadamente 100 bilhões de dólares australianos, o que equivale a mais de 5% do PIB da Austrália.

Os pesquisadores argumentam que, no futuro, a avaliação de risco não deve apenas levar em conta as consequências de eventos extremos em setores individuais, mas deve considerar sistematicamente a interconexão. "Isso é especialmente importante, pois, provavelmente, veremos eventos extremos combinados sem precedentes com efeitos em cascata que excedem todos os casos históricos. Esses efeitos precisam ser cuidadosamente analisados para apoiar o planejamento de medidas adaptativas e reativas", diz o professor de geografia da universidade Christian Huggel, que liderou o estudo.

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