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Livro 'Políticas de Riobaldo' investiga a realidade criada em Grande Sertão: Veredas

Publicado em: 24/09/2021 14:28

Escrito pelo baiano Renan Porto, 'Políticas de Riobaldo' é lançado nesta sexta-feira (Divulgação)
Escrito pelo baiano Renan Porto, 'Políticas de Riobaldo' é lançado nesta sexta-feira (Divulgação)
Do sertão baiano, mais especificamente do distrito de Florestal, Jequié, o pesquisador Renan Porto fez a viagem de ônibus para o Rio de Janeiro, onde faria seu mestrado, mergulhado não só na experiência geográfica da paisagem que o rodeava, mas também na experiência sertaneja labiríntica, nômade e espectral das páginas de Grande Sertão: Veredas, clássico de Guimarães Rosa, publicado em 1956. Terminou a leitura já na capital carioca, onde experimentou um ethos de tensão entre beleza e violência que tinha lá suas proximidades com o que encontrou no romance. 

A experiência intensa, onde às vezes era difícil onde terminava o livro e onde começava a realidade, lhe levou a dar continuidade ao seu trabalho de pesquisa interdisciplinar envolvendo direito, literatura e filosofia o qual realiza desde a graduação, agora a realizando no mestrado a partir do romance de Rosa. Tal projeto se transformou no livro Políticas de Riobaldo: A Justiça Jagunça e suas Máquinas de Guerra, lançado pela Cepe Editora nesta sexta-feira (23). Na ocasião, será realizado um debate às 18h, com o autor e professor de Direito Murilo Duarte Costa Corrêa, mediado pelo editor Diogo Guedes, transmitido no YouTube da Cepe.

Porto se dispôs a investigar aspectos da existência de Riobaldo e do sertão não o tendo como um objeto a ser explicado, mas justamente instigando a reflexão sobre a experiência de ambiguidade proposta pela obra de Rosa, entre fantasmas, espectros, ausências, nomadismos e transformações a partir de uma realidade mais sensível do que empírica. Seus textos bebem na obra de filósofos como Gilles Deleuze, Félix Guattari, Jacques Derrida, Henri Bergson, assim como também na fortuna da crítica literária que debruçou sobre o livro desde sua publicação.

“A leitura do Rosa parece seguir o ritmo de um vagalume na noite, que vai pulsando e de repente ele pisca, tem um lampejo, ilumina tudo, mas tudo se apaga de novo. Nesse processo narrativo, ele faz afirmações mais gerais, que ele chega em certas conclusões sobre Deus, o amor, o sertão, o tempo. Tentei anotar e rastrear no texto certas noções que vão compondo uma certa realidade do romance, em constante variação, de o sertão ser aquilo quando você menos espera. É lidar com o indeterminado, com o incotigente”, elabora Renan, explicando que se utiliza desse fluxo da linguagem do romance de Rosa em chegar nos seus limites para fazer o mesmo com os conceitos que traz. 

“Eu tento não tomar o romance como objeto, como a crítica literária faz, queria entender como ele pensa a realidade a partir de outros procedimentos que não o da teoria ou da filosofia”, continua o autor, expondo suas percepções a partir do contato com o imenso volume de análises literárias sobre o romance, que ainda assim foram de grande ajuda nas sua compreensão da estrutura do livro e as diferentes formas lógicas que fogem da razão ou da casualidade. 

Ele classifica seu trabalho como mais especulativo, em busca da intuição, em distinção à uma certa tendência das reflexões sobre Grande Sertão. “A crítica literária muitas vezes tenta domar, controlar, entender tudo sobre o romance e acaba diminuindo essa potência poética e alegórica que ele tem, para além da compreensão descritiva e empírica da realidade. Ele demanda uma atenção mais no nível da sensibilidade, da percepção e dos afetos”, explica. Nessa condução, Políticas de Riobaldo passa a investigar o que surge nas brechas da casualidade do romance, discorrendo sobre pontos como um senso de justiça e liberdade próprio dos jagunços, sempre se remodelando ao lado do sertão e se afastando de uma existência regida por leis e estado.

Uma existência que surge a partir de um projeto desenvolvimentista do Brasil que nunca alcança uma plenitude, ainda gerando exclusão e violência no seu rastro. Era assim quando o livro foi lançado, no mesmo ano em que JK assume uma presidência sobre o mote desse desenvolvimento tão desejado, mas também é assim nos ecos do presente. Durante o processo de construção dessa pesquisa, Porto diz ter vivenciado três momentos que lhe fez observar paralelos com a existência de Riobaldo e do sertão que habitou. Eles foram os protestos contra a reforma da previdência em 2017, a morte da vereadora carioca Marielle Franco e a paralisação dos caminhoneiros, ambas em 2018.

No primeiro caso, experienciou discursos os quais considerou como já dados e repetitivos, que abriram um espaço de desorientação, de não saber como responder as tensões daquele momento, lidar com o caos e a abertura, assim como era a existência de Riobaldo, nômade e perdida no sertão. A morte de Marielle lhe trouxe a relação entre os bando armados e coronéis/políticos, com o assassinato escancarando o funcionamento dessa prática política de violência que não poupou nem quem seguiu os caminhos institucionais de fazê-la. 

Já a greve dos caminhoneiros, sujeitos que vêm de um trabalho periférico e muitas vezes racializados, mas que desestabilizaram uma certa linguagem política, também se demonstrando conservadores, não se encaixando em categorias “puras”, tal qual a ambiguidade da jagunçagem. “Eu acho curioso esse lugar de ambiguidade, porque a gente fala de jagunços, não como sujeito morais, identificados com o bem ou o mal. Quando a gente tenta entender a realidade por essas categorias puras, ficamos completamente perdidos. Tentei lidar com a jagunçagem a partir desse agonismo, essa impureza que é sempre presente na experiência”, conclui. 


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