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PANDEMIA

Metas de vacinação do governo são contestadas por especialistas: 'longe da realidade'

Publicado em: 09/05/2021 17:07

 (A projeção foi repetida durante toda a última semana por Queiroga, que reiterou que irá receber doses suficientes até o final de 2021 para concluir a imunização dos brasileiros. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A. Press)
A projeção foi repetida durante toda a última semana por Queiroga, que reiterou que irá receber doses suficientes até o final de 2021 para concluir a imunização dos brasileiros. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A. Press
Diante de uma vacinação contra a Covid-19, que parece não engatar um ritmo acelerado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, procura tranquilizar a população ao reafirmar que é possível garantir que até o final deste ano todos os brasileiros acima de 18 anos sejam vacinados. A projeção foi repetida durante toda a última semana por Queiroga, que reiterou que irá receber doses suficientes até o final de 2021 para concluir a imunização dos brasileiros. A estimativa, no entanto, é contestada por especialistas que ponderam que há um desafio logístico para conquistar a meta. Um dos principais motivos apontados para dificultar o alcance da meta é o atraso na compra de vacinas.

Segundo cálculo feito pelo Correio com auxílio do médico sanitarista pela Universidade do Paraná e professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Adriano Massuda, a média de vacinas aplicadas em abril, considerando tanto a aplicação da primeira dose quanto da segunda, é 770.666. (Veja arte). Com isso, o país precisaria ao menos triplicar a velocidade para alcançar a meta proposta por Queiroga. “Nesse ritmo, precisaríamos de 462 dias úteis de vacinação para vacinar toda população maior de 18 anos”, ponderou Massuda.

A conta foi feita de acordo com os dados do consórcio de veículos de imprensa que reúne informações das secretarias estaduais de Saúde. Apesar do Brasil ter atingido a meta de vacinar mais de 1 milhão de pessoas por dia, sugerida por Queiroga no início de sua gestão, em 10 dias no mês de abril, os especialistas desconfiam que o ritmo de vacinação do país decole nos próximos meses. O principal problema apontado é a incerteza enfrentada com o cronograma de entrega de vacinas.

“A gente poderia conseguir vacinar a população brasileira em tempo muito menor se tivesse contratado as vacinas no tempo certo. Então, agora a gente está lidando com uma incerteza muito grande. E pode ser que esse ritmo que a gente conseguiu alcançar possa reduzir, por exemplo, pela falta de produção brasileira, que é condicionada pela importação do IFA (ingrediente farmacêutico ativo)”, pontua Massuda. O Instituto Butantan enfrenta problemas no recebimento da matéria-prima necessária para produzir a CoronaVac e precisa dos insumos para voltar a produzir novas doses da vacina utilizada no Programa Nacional de Imunizações (PNI).

O Butantan já processou todo o último lote de 3 mil litros, recebido em 19 de abril, para produzir 5 milhões de doses e, por isso, o envase das novas vacinas foi paralisado. O diretor do instituto, Dimas Covas informou que, apesar de existir uma “previsão confirmada” do envio de 4 mil litros de insumos ao Brasil, ainda não há data definida para a chegada deste lote. “Deve chegar no máximo, esperamos, até o dia 18 deste mês”, disse durante coletiva de imprensa realizada na última sexta-feira (7).

O entrave da produção de vacinas no país é apenas um dos pontos que retarda o ritmo de imunização dos brasileiros. Na avaliação do epidemiologista e coordenador da Sala de Situação da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant, o atraso para iniciar a vacinação no país é o que deixa o Brasil mais distante do objetivo do ministro da Saúde. “O que é importante a gente destacar é que o atraso na vacinação aconteceu por causa da falta de posicionamento do governo federal no início da mobilização internacional para acesso às vacinas. O Brasil perdeu aquele momento e isso atrasou o acesso a vacinação”, explica.

Grupos prioritários
Brant acredita que a previsão do ministro pode se concretizar caso se observe apenas a imunização dos grupos prioritários, mas não de toda a população brasileira: “De certa maneira, é muito difícil que a gente consiga vacinar toda a população do país até o final do ano porque há um desafio logístico para que isso aconteça”, comenta. Massuda concorda com o colega e acredita que a vacinação do grupo prioritário definido pelo governo federal vai ser concluída neste ano. O Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 estima que 80,5 milhões de pessoas compõem os grupos prioritários.

O Ministério da Saúde acredita que será possível concluir a vacinação contra a Covid-19 de todos os grupos prioritários do país até setembro. A perspectiva foi apresentada em abril pelo ministro da Saúde. A pasta prevê que todas as pessoas consideradas prioritárias devem receber a primeira dose até a primeira quinzena de julho. Com isso, a segunda dose deve ser aplicada até setembro, devido ao intervalo necessário entre as doses, que chega a 12 semanas no caso da vacina de Oxford/AstraZeneca.

Durante depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, Marcelo Queiroga, afirmou que já será possível ter um impacto “muito forte” em relação à queda de óbitos com a vacinação da população do grupo prioritário. O ministro reafirmou o compromisso de vacinar todos os brasileiros com mais de 18 anos até o final do ano, desde que todas as doses contratadas pelo governo federal cheguem. “Eu gostaria muito de trazer uma notícia melhor, mas essa meta de vacinar a população até o final do ano já é uma meta arrojada dentro do contexto que nós temos atualmente, infelizmente”, ponderou o ministro.

Brasil tem expertise necessária para acelerar imunização, mas faltam vacinas
O epidemiologista Jonas Brant afirma que o Brasil tem grande expertise na área de vacinação, mas indica que é necessário maior comprometimento do Ministério da Saúde. “Hoje a postura do ministério não é uma postura de liderança e isso é um conflito muito grande, porque cada unidade da federação tem adotado critérios diferentes, têm se organizado, inclusive, para aquisição de vacinas. Isso mostra a falta de confiança no governo federal como líder de um processo”, avalia.

A infectologista do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto Anna Christina Tojal reforça a opinião de Brant ao ressaltar que o país possui capacidade instalada para imunizar essa população. “Temos muitas salas de vacinação, muitos profissionais treinados Brasil afora para fazer a imunização, o que nós não temos são as vacinas”, analisa. Ela pontua que a logística de distribuição de vacinas também precisa ser melhorada. “Desde 2019 houve um problema no serviço de distribuição de vacinas”, disse.

Anna acredita que se as vacinas prometidas até o final do ano chegarem ao país, o ministro da Saúde consegue atingir o objetivo prometido nas últimas semanas. “Isso depende do governo não ficar criando mais e mais empecilhos, ficar brigando com o principal fornecedor de insumos que é a indústria chinesa”, critica. Na última semana, o presidente da República, Jair Bolsonaro, questionou a origem do novo coronavírus e insinuou, sem citar nominalmente a China, que o país poderia ter fabricado o vírus como arma para uma “guerra química”.

Para tentar conter o incêndio provocado por Bolsonaro, os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, das Relações Exteriores, Carlos França, e da Economia, Paulo Guedes, se reuniram com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Governadores e até o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tentaram conter os estragos da fala do mandatário do país. (MEC)

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